Saturday, July 8, 2006

A propósito de grandes épocas, vem-me à lembrança uma frase, que aliás o senhor conhece:

a história dá lições, mas não tem alunos.

Ingeborg Bachmann

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Thursday, July 6, 2006

Sempre me dei ares de rapariga muito solta. Mas, para falar verdade, estive a fazer as contas no outro dia, e só tive onze amantes. Sem contar com o que aconteceu antes de eu ter treze anos porque, a bem dizer, essa parte não conta. Onze. Isso faz de mim uma puta? Olha para a Mag Wildwood. Ou a Honey Tucker. Ou a Rose Ellen Ward. Elas já fizeram truca-truca tantas vezes que podiam formar uma banda de percussão. É claro que eu não tenho nada contra as putas. A não ser uma coisa: algumas podem ser verdadeiras mas têm corações falsos. Quer dizer, não se pode foder o tipo e descontar os cheques dele sem pelo menos tentarmos acreditar que o amamos. Eu cá tentei sempre.



Além disso, deitei fora todos os meus horóscopos. Devo ter gasto um dólar em todas as estrelinhas do raio do planetário. É uma chatice mas a verdade é que as coisas boas só nos acontecem se formos bons. Bons? É mais se formos honestos, não uma honestidade de cumprir a lei... -eu cá era capaz de profanar uma campa e de roubar os dois olhos de um morto se achasse que isso me dava gozo por um dia -mas uma honestidade para connosco. Tudo menos ser-se cobarde, fingido, um bandido emocional, uma puta: preferia ter cancro a um coração falso. O que não tem nada de beato, é uma questão muito prática. O cancro pode matar, mas a alternativa de certeza que mata. Oh, que se lixe, passa-me a guitarra que eu canto-te um fado num português impecável.


Truman Capote


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Wednesday, July 5, 2006

inventário de lugares propícios ao amor


São poucos.
A primavera tem muito prestígio, mas
é melhor o verão.
E também essas frestas que o outono
forma quando interfere com os domingos
em algumas cidades
já de si amarelas como bananas.
O inverno elimina muitos sítios:
gonzos de portas orientadas a norte,
margens de rios,
bancos de jardins.
Os contrafortes exteriores
das velhas igrejas
deixam às vezes vãos
a utilizar, ainda que a neve caia.
mas desenganemo-nos: as baixas
temperaturas e os ventos húmidos
dificultam tudo.
As leis, além do mais, proíbem
as carícias (à excepção
de determinadas zonas epidérmicas
sem qualquer interesse -
em crianças, cães e outros animais)
e "não tocar, perigo de ignomínia"
pode ler-se em milhares de olhares.
Para onde fugir, então?
Por todo o lado olhos de viés,
córneas torturadas,
implacáveis pupilas,
retinas reticentes,
vigiam, desconfiam, ameaçam.
Resta talvez o recurso de andar sozinho,
de esvaziar a alma de ternura
e enchê-la de fastio e indiferença,
neste tempo hostil, propício ao ódio.


Ángel González

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Tuesday, July 4, 2006

Um congresso em Montesinho

depois de três dias de
comunicações e mesas redondas sobre
a conservação do lobo
o capuchinho vermelho pediu a
palavra e disse
tudo muito certo
mas como é que eu levo
o lanche
à minha avó?


José Carlos Barros


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Monday, July 3, 2006

I am sailing, I am sailing

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stina nordenstam - sailing

Sunday, July 2, 2006

Comprei um vestido novo, um vestido de interior, próprio de casa, longo, para uma hora de uma certa tarde, para algumas noites no meu apartamento, sei para quem, agrada-me porque é comprido e leve, e alem disso explica que vou ficar muito tempo em casa, a partir de hoje. Para o provar, não queria que Ivan estivesse aqui, Malina muito menos; por ele não estar, posso olhar-me à vontade no espelho, dou voltas e mais voltas diante do enorme espelho do corredor, a mil léguas, a uma distância abissal, astronómica dos homens. Por uma hora, posso viver fora do tempo e do espaço, verdadeiramente contente, transportada a uma lenda onde o perfume de um sabonete, o ardor duma água-de-colónia, o frufru de roupa interior, o gesto da mão mergulhando borlas na caixa do pó, ou retocando meditativamente uma sobrancelha, são a única realidade. É uma obra que se vai realizando, uma mulher que se cria para um vestido. No mais profundo segredo se esboça de novo o que é uma mulher, pensa-se no começo do mundo, num halo que não dá luz para ninguém. É preciso escovar vinte vezes os cabelos, untarem-se os pés de unhas envernizadas, é preciso depilar pernas e axilas, abrir e fechar o chuveiro, uma nuvem de pó inunda a casa de banho, olha-se no espelho, ainda é domingo, consulta-se o espelho, na parede, talvez já seja domingo.


Ingeborg Bachmann


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