Monday, December 8, 2008

Eu sei que não virás. O quarto
seria este, estes os meus braços, aquela
a jarra com as flores.
Que lindo cachecol. O colete fica-te bem.
Sabes o que é o amor? Poder e não poder
dizer o teu nome sem que me rebente
dentro do estômago, dos intestinos, dos pulmões
a faca de infecções de que poderei morrer.





Joaquim Manuel Magalhães




Photobucket

Friday, December 5, 2008



Thursday, December 4, 2008

Os dedos com que me tocou

persistem sob a pele, onde a memória os move.

Tacteiam, impolutos. Tantas vezes

o suor os traz consigo da memória, que não tenho

na pele poro através

do qual eles não procurem

sair quando transpiro.A pele é o espelho da memória.







Luís Miguel Nava







Photobucket

Wednesday, December 3, 2008

Debaixo do colchão tenho guardado
o coração mais limpo desta terra
como um peixe lavado pela água
da chuva que me alaga interiormente
Acordo cada dia com um corpo
que não aquele com que me deitei
e nunca sei ao certo se sou hoje
o projecto ou memória do que fui
Abraço os braços fortes mas exactos
que à noite me levaram onde estou
e, bebendo café, leio nas folhas
das árvores do parque o tempo que fará
Depois irei ali além das pontes
vender, comprar, trocar, a vida toda acesa;
mas com cuidado, para não ferir
as minhas mãos astutas de princesa.




António Franco Alexandre




Photobucket

Tuesday, December 2, 2008

tradução caseira da lebre



Harux e Harix decidiram nunca mais se levantar da cama. Amam-se loucamente e não podem afastar-se um do outro mais do que sessenta ou setenta centímetros. Logo o melhor é ficar na cama, longe dos apelos do mundo. No entanto, o telefone está na mesa-de-cabeceira, e às vezes toca e interrompe os seus abraços: são os familiares que querem saber se tudo está bem. Mas essas chamadas são cada vez mais raras e lacónicas. Os amantes apenas se levantam para ir à casa de banho, e nem sempre, a cama está desarrumada, os lençóis gastos, mas eles não dão conta, cada um mais imerso na onda azul dos olhos do outro. Os seus membros misticamente entrelaçados.
Na primeira semana alimentaram-se de bolachinhas, de que se tinham abastecido abundantemente. Como as bolachas acabaram, agora comem-se um ao outro.
Anestesiados pelo desejo, arrancam grandes pedaços de carne com os dentes, entre dois beijos devoram o nariz ou o dedo mindinho, bebem o sangue um do outro; depois saciados fazem novamente amor como podem, e adormecem para recomeçar quando acordam. Perderam a conta dos dias e das horas. Não são bonitos de ver, isso é verdade, ensanguentados, esquartejados, pegajosos. Mas o seu amor está para além de todas as convenções.




Juan Rodolfo Wilcock



Photobucket

Monday, December 1, 2008

no lugar onde num mapa se assinala um final feliz
Abrimos imagens como quem faz a cronologia
do lado esquerdo do corpo

o silêncio é um muro num tempo de aceitar ventos

sob a pele espera-se a existência subterrânea da respiração
assim, falar de ausência é apanhar vazios
até que as palavras sejam o movimento
onde vamos nascendo cedo demais




maria sousa




Photobucket