Parabéns Ju
Relógio Sem Ponteiros
Quando agora te debruças sobre a água do tanque, vês projectado, lá no fundo, um relógio sem ponteiros. Percebes, então, que a ferrugem é também uma qualidade e um atributo da água, e não apenas de alguns metais a que chamamos vis. E percebes ainda que já não são necessários os relógios. Tu já não tens idade, nem o tempo, que partilha do halo e da fluidez da água e é, às vezes, como ela, tão inodoro e insípido, se deixa prender, mesmo num vaso de cristal. E não podes, assim, medir-lhe a respiração. A sua duração, se preferes. Se alguma ainda subsiste, é a que é regulada pelos ponteiros do seu próprio corpo.
Albano Martins
Wednesday, March 31, 2004
Monday, March 29, 2004
Imagens
Estragas-me a paz.
e eu preciso das minhas solidões,
de bocados mentais sem ti.
Começo a ser doença obsessiva
ao repetir-me por poemas isto:
as tuas invasões à minha paz.
(Podia até em jeito original
por aqui umas notas sobre ti:
cf., vide: textos tal e tal)
Mas é que a minha paz fica toda es-
tragada quando te penso amor.
Interrompi os versos por laranjas.
E volto sempre a ti mesmo que não.
É estranho que pacíficas laranjas
não me consigam afastar de ti.
Ana Luísa Amaral
Estragas-me a paz.
e eu preciso das minhas solidões,
de bocados mentais sem ti.
Começo a ser doença obsessiva
ao repetir-me por poemas isto:
as tuas invasões à minha paz.
(Podia até em jeito original
por aqui umas notas sobre ti:
cf., vide: textos tal e tal)
Mas é que a minha paz fica toda es-
tragada quando te penso amor.
Interrompi os versos por laranjas.
E volto sempre a ti mesmo que não.
É estranho que pacíficas laranjas
não me consigam afastar de ti.
Ana Luísa Amaral
Sunday, March 28, 2004
Thursday, March 25, 2004
Pela noite à eterna dor se chega
cruel é a terra, diversa terra
quando teu rosto se esvai
e a névoa com voz de pranto
cai jamais leve sobre nós.
De breve uso, cresce no peito
uma tímida pálida alegria
precioso corpo luz, borboleta
de asas nítidas e tranquilas
que vigia o coração dos mortos.
Diz-me secretas brandas palavras
porque sou refúgio e escombro
de um vasto dia, áspero exílio
nas suaves sílabas de precisos
e curvos juncos, clarão sem sol.
Desce então pelo fulgor da luz
espírito suspenso em minhas mãos.
A espera é movimento cego.
Desce, sonâmbulo, extenso amor.
Ana Marques Gastão
cruel é a terra, diversa terra
quando teu rosto se esvai
e a névoa com voz de pranto
cai jamais leve sobre nós.
De breve uso, cresce no peito
uma tímida pálida alegria
precioso corpo luz, borboleta
de asas nítidas e tranquilas
que vigia o coração dos mortos.
Diz-me secretas brandas palavras
porque sou refúgio e escombro
de um vasto dia, áspero exílio
nas suaves sílabas de precisos
e curvos juncos, clarão sem sol.
Desce então pelo fulgor da luz
espírito suspenso em minhas mãos.
A espera é movimento cego.
Desce, sonâmbulo, extenso amor.
Ana Marques Gastão
Wednesday, March 24, 2004
Monday, March 22, 2004
Friday, March 19, 2004
Thursday, March 18, 2004
Os Primeiros Encontros
Cada momento passado juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo.
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através de húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho.
Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genufletia. E ao acordar
Eu diria “Abençoada sejas!”
Sabendo como pretenciosa era a benção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.
Rios palpitantes por dentro do cristal,
A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,
E tu com a bola de cristal nas mãos,
Sentada num trono enquanto dormes,
— Deus do céu! — tu pertences-me.
Acordas para transfigurar
As palavras de todos os dias,
E o teu discorrer transbordante
De poder revela na palavra “tu”
o seu novo sentido: significa “rei”.
Simples objectos transfigurados,
Tudo — a bacia, o jarro —, tudo
Uma vez de sentinela entre nós
Se torna límpido, laminar e firme.
Íamos, sem saber para onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta aos nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes á procura da nascente;
O céu, a nós se abrindo.
Porque o destino seguia-nos o rastro
Como um louco com uma navalha na mão.
Arsesii Tarkovskii
Cada momento passado juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo.
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através de húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho.
Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genufletia. E ao acordar
Eu diria “Abençoada sejas!”
Sabendo como pretenciosa era a benção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.
Rios palpitantes por dentro do cristal,
A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,
E tu com a bola de cristal nas mãos,
Sentada num trono enquanto dormes,
— Deus do céu! — tu pertences-me.
Acordas para transfigurar
As palavras de todos os dias,
E o teu discorrer transbordante
De poder revela na palavra “tu”
o seu novo sentido: significa “rei”.
Simples objectos transfigurados,
Tudo — a bacia, o jarro —, tudo
Uma vez de sentinela entre nós
Se torna límpido, laminar e firme.
Íamos, sem saber para onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta aos nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes á procura da nascente;
O céu, a nós se abrindo.
Porque o destino seguia-nos o rastro
Como um louco com uma navalha na mão.
Arsesii Tarkovskii
Wednesday, March 17, 2004
A púrpura dos dias
falar-te-ei de como se erguem
em flor as sementes,
de como o luar pode desfalecer
a solidão de um nome
e atirar-nos para o lugar das mãos
ao longe a púrpura dos dias,
do ar respirado, da vida
que não pára de bater
em cada grão de terra
- nas tuas mãos, o meu
coração de lã e o frio
que não mais te tocará
por ser possível ser feliz
Vasco Gato
falar-te-ei de como se erguem
em flor as sementes,
de como o luar pode desfalecer
a solidão de um nome
e atirar-nos para o lugar das mãos
ao longe a púrpura dos dias,
do ar respirado, da vida
que não pára de bater
em cada grão de terra
- nas tuas mãos, o meu
coração de lã e o frio
que não mais te tocará
por ser possível ser feliz
Vasco Gato
Monday, March 15, 2004
VIAJE
Hoy me mira la luna
blanca y desmesurada.
Es la misma de anoche,
la misma de mañana.
Pero es otra, que nunca
fue tan grande y tan pálida.
Tiemblo como las luces
tiemblan sobre las aguas.
Tiemblo como en los ojos
suelen temblar las lágrimas.
Tiemblo como en las carnes
sabe temblar el alma.
¡Oh! la luna ha movido
sus dos labios de plata.
¡Oh! la luna me ha dicho
las tres viejas palabras:
«Muerte, amor y misterio...»
¡Oh, mis carnes se acaban!
Sobre las carnes muertas
alma mía se enarca.
Alma —gato nocturno—
sobre la luna salta.
Va por los cielos largos
triste y acurrucada.
Va por los cielos largos
sobre la luna blanca.
Alfonsina Storni
Hoy me mira la luna
blanca y desmesurada.
Es la misma de anoche,
la misma de mañana.
Pero es otra, que nunca
fue tan grande y tan pálida.
Tiemblo como las luces
tiemblan sobre las aguas.
Tiemblo como en los ojos
suelen temblar las lágrimas.
Tiemblo como en las carnes
sabe temblar el alma.
¡Oh! la luna ha movido
sus dos labios de plata.
¡Oh! la luna me ha dicho
las tres viejas palabras:
«Muerte, amor y misterio...»
¡Oh, mis carnes se acaban!
Sobre las carnes muertas
alma mía se enarca.
Alma —gato nocturno—
sobre la luna salta.
Va por los cielos largos
triste y acurrucada.
Va por los cielos largos
sobre la luna blanca.
Alfonsina Storni
Saturday, March 13, 2004
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