Mais uma tradução caseira da lebre
Bonecas,
aos milhares,
estão a cair do céu
e eu olho para cima com medo
e pergunto-me quem as irá apanhar?
As folhas, segurando-as como pratos verdes?
Os charcos, abertos como copos de vinho
para as beber?
Os topos dos edifícios para se esmagarem nas suas barrigas
e deixa-las ali para ganhar fuligem?
As auto-estradas com as suas peles duras
para que sejam atropeladas como almiscareiros?
Os mares, à procura de algo que choque os peixes?
As cercas eléctricas para lhes queimar os cabelos?
Os campos de milho onde podem estar sem ser colhidas?
Os parques nacionais onde séculos mais tarde
Serão encontradas petrificadas como bebés de pedra?
Eu abro os braços
e apanho
uma,
duas,
três…dez ao todo
a correr para a frente e para trás como um jogador de badmington,
apanhando as bonecas, os bebés onde eu pratico,
mas outras estilhaçam-se no telhado
e eu sonho, acordada, eu sonho com bonecas a cair.
que precisam de berços e cobertores e pijamas,
com pés verdadeiros
Porque é que não há uma mãe?
Porque é que estas bonecas todas estão a cair do céu?
Houve um pai?
Ou os planetas cortaram buracos nas suas redes
e deixaram a nossa infância sair,
ou somos nós as próprias bonecas,
nascidas mas nunca alimentadas.
Anne Sexton
Monday, October 31, 2005
Saturday, October 29, 2005
Thursday, October 27, 2005
Wednesday, October 26, 2005
Há só tu dei-te o que não tinha
assistimos juntos à andorinha
desfiz-me em pedaços de ternura
quando a tua mão tocou a minha
quero lá saber do eu
ainda querer saber
de alguma coisa
parecida com a nossa
diferente da tua
a frase que aqui falta
é de vez em quando
se não te importas
dares pela minha falta
Joaquim Castro Caldas
assistimos juntos à andorinha
desfiz-me em pedaços de ternura
quando a tua mão tocou a minha
quero lá saber do eu
ainda querer saber
de alguma coisa
parecida com a nossa
diferente da tua
a frase que aqui falta
é de vez em quando
se não te importas
dares pela minha falta
Joaquim Castro Caldas
Tuesday, October 25, 2005
Monday, October 24, 2005
Houve dias cheios de sol e jogos ágeis
em redor dos lagos, uma jornada na montanha
para ouvir o eco e a sombra da nuvem
ganhando alento nas vertentes como um barco
prodigioso.
Perseguíamos nas raízes do dia uma ausência
que alastrava para o norte, para essas planícies inventadas
onde pássaros ávidos tomariam por sementes
as palavras que dizíamos.
Éramos demasiado jovens
e aos nossos olhos
o mundo tinha a idade que mais nos convinha.
Rui Pires Cabral
em redor dos lagos, uma jornada na montanha
para ouvir o eco e a sombra da nuvem
ganhando alento nas vertentes como um barco
prodigioso.
Perseguíamos nas raízes do dia uma ausência
que alastrava para o norte, para essas planícies inventadas
onde pássaros ávidos tomariam por sementes
as palavras que dizíamos.
Éramos demasiado jovens
e aos nossos olhos
o mundo tinha a idade que mais nos convinha.
Rui Pires Cabral
Sunday, October 23, 2005
faz agora um ano que um poema iniciou uma amizade (tão, mas tão linda)
UM OUTRO NASCIMENTO
Todo o meu ser é um cântico negro
que te levará
fazendo-te durar
ao despertar dos crescimentos e florescimentos eternos
neste cântico eu suspirei tu suspiraste
neste cântico
eu acrescentei-te à árvore à água ao fogo.
A vida é talvez
uma rua comprida pela qual uma mulher segurando
um cesto passa todos os dias.
A vida é talvez
uma corda com a qual um homem se enforca num ramo
a vida é talvez uma criança a regressar a casa da escola.
A vida é talvez acender um cigarro
na pausa narcótica entre fazer amor e fazer amor
ou o olhar ausente de um homem que passa
tirando o chapéu a um outro homem que passa
com um sorriso vazio e um bom dia.
A vida é talvez esse momento fechado
quando o meu olhar se destrói na pupila dos teus olhos
e está no sentimento
que eu irei pôr na impressão da Lua
e na percepção da Noite.
Num quarto grande como a solidão
o meu coração
que é grande como o amor
olha os simples pretextos da sua felicidade
o belo murchar das flores no vaso
a jovem árvore que plantaste no teu jardim
e o canto dos canários
que cantam para o tamanho de uma janela.
Ah
este é o meu destino
este é o meu destino
o meu destino é
um céu que desaparece com a queda de uma cortina
o meu destino é despenhar-me no voo de estrelas agora inúteis
reconquistar qualquer coisa no meio da putrefacção e da nostalgia
o meu destino é um passeio triste no jardim das memórias
e morrer na dor de uma voz que me diz
eu amo
as tuas mãos.
Irei plantar as minhas mãos no jardim
crescerei eu sei eu sei eu sei
e as andorinhas virão pôr ovos
no vazio das minhas mãos manchadas de tinta.
Vou usar
um par de cerejas gémeas como brincos
e pôr pétalas de dália nas minhas unhas
há um beco
onde os rapazes que se apaixonaram por mim
se demoram ainda com o mesmo cabelo despenteado
os mesmos pescoços finos e as mesmas pernas magras
e pensam nos sorrisos inocentes de uma rapariga
que foi levada pelo vento uma noite.
Há um beco
que o meu coração roubou
às ruas da minha infância.
A viagem de uma forma na linha do tempo
fecundando a linha do tempo com a forma
uma forma consciente de uma imagem
a regressar de uma carícia num espelho.
E é desta maneira
que alguém morre
e alguém segue vivendo.
Nenhum pescador jamais achará uma pérola num pequeno regato
que se esvazia num lago.
Eu conheço uma pequena e triste fada
que vive num oceano
e toca a flauta mágica do seu coração
suave, suavemente
pequena e triste fada
que morre com um beijo todas as noites
e com um beijo renasce a cada amanhecer.
Forough Farrokhzad
UM OUTRO NASCIMENTO
Todo o meu ser é um cântico negro
que te levará
fazendo-te durar
ao despertar dos crescimentos e florescimentos eternos
neste cântico eu suspirei tu suspiraste
neste cântico
eu acrescentei-te à árvore à água ao fogo.
A vida é talvez
uma rua comprida pela qual uma mulher segurando
um cesto passa todos os dias.
A vida é talvez
uma corda com a qual um homem se enforca num ramo
a vida é talvez uma criança a regressar a casa da escola.
A vida é talvez acender um cigarro
na pausa narcótica entre fazer amor e fazer amor
ou o olhar ausente de um homem que passa
tirando o chapéu a um outro homem que passa
com um sorriso vazio e um bom dia.
A vida é talvez esse momento fechado
quando o meu olhar se destrói na pupila dos teus olhos
e está no sentimento
que eu irei pôr na impressão da Lua
e na percepção da Noite.
Num quarto grande como a solidão
o meu coração
que é grande como o amor
olha os simples pretextos da sua felicidade
o belo murchar das flores no vaso
a jovem árvore que plantaste no teu jardim
e o canto dos canários
que cantam para o tamanho de uma janela.
Ah
este é o meu destino
este é o meu destino
o meu destino é
um céu que desaparece com a queda de uma cortina
o meu destino é despenhar-me no voo de estrelas agora inúteis
reconquistar qualquer coisa no meio da putrefacção e da nostalgia
o meu destino é um passeio triste no jardim das memórias
e morrer na dor de uma voz que me diz
eu amo
as tuas mãos.
Irei plantar as minhas mãos no jardim
crescerei eu sei eu sei eu sei
e as andorinhas virão pôr ovos
no vazio das minhas mãos manchadas de tinta.
Vou usar
um par de cerejas gémeas como brincos
e pôr pétalas de dália nas minhas unhas
há um beco
onde os rapazes que se apaixonaram por mim
se demoram ainda com o mesmo cabelo despenteado
os mesmos pescoços finos e as mesmas pernas magras
e pensam nos sorrisos inocentes de uma rapariga
que foi levada pelo vento uma noite.
Há um beco
que o meu coração roubou
às ruas da minha infância.
A viagem de uma forma na linha do tempo
fecundando a linha do tempo com a forma
uma forma consciente de uma imagem
a regressar de uma carícia num espelho.
E é desta maneira
que alguém morre
e alguém segue vivendo.
Nenhum pescador jamais achará uma pérola num pequeno regato
que se esvazia num lago.
Eu conheço uma pequena e triste fada
que vive num oceano
e toca a flauta mágica do seu coração
suave, suavemente
pequena e triste fada
que morre com um beijo todas as noites
e com um beijo renasce a cada amanhecer.
Forough Farrokhzad
Friday, October 21, 2005
Inki inki
Arvores, arbustos, ervas, tudo já se ressente da estação. Por toda a floresta, alastram-se grandes manchas amarelentas ou avermelhadas, a indicarem as folhas mortas, que já começaram a cair, despindo os troncos, juncando o chão. É uma supressão de vida que se anuncia, embora parcial e embora temporária. A natureza, após muita labuta, vai descansar, vai dormir, por algumas semanas, para despertar depois e recomeçar a mesma faina
Wenscelau de Moraes
Arvores, arbustos, ervas, tudo já se ressente da estação. Por toda a floresta, alastram-se grandes manchas amarelentas ou avermelhadas, a indicarem as folhas mortas, que já começaram a cair, despindo os troncos, juncando o chão. É uma supressão de vida que se anuncia, embora parcial e embora temporária. A natureza, após muita labuta, vai descansar, vai dormir, por algumas semanas, para despertar depois e recomeçar a mesma faina
Wenscelau de Moraes
Thursday, October 20, 2005
para a Insónia
Ó tão belos rostos,
absortos em Deus, industriosos na aurora,
ó bem-aventuradas virgens, como sois nobres!
Em vós o Rei se deleitou
quando vos conferiu todos os ornamentos celestes
e vos transformou em jardim de delícias,
com todos os perfumes inebriantes.
Hildegard von Bingen
Ó tão belos rostos,
absortos em Deus, industriosos na aurora,
ó bem-aventuradas virgens, como sois nobres!
Em vós o Rei se deleitou
quando vos conferiu todos os ornamentos celestes
e vos transformou em jardim de delícias,
com todos os perfumes inebriantes.
Hildegard von Bingen
Wednesday, October 19, 2005
Tuesday, October 18, 2005
Monday, October 17, 2005
se calhar há na distância a confirmação
de que vamos acumulando vazios
não tanto pelo que resta
mas sobretudo pela maneira
como o castelo de cartas
parece vacilar
apenas isso um tremor de paredes vazias
num tempo que não sei nomear
não é dia de fechar janelas
o papel amarelece e descola
e no fim resta o que acontece nas pausas
eue
de que vamos acumulando vazios
não tanto pelo que resta
mas sobretudo pela maneira
como o castelo de cartas
parece vacilar
apenas isso um tremor de paredes vazias
num tempo que não sei nomear
não é dia de fechar janelas
o papel amarelece e descola
e no fim resta o que acontece nas pausas
eue
Saturday, October 15, 2005
Hoje o Alice faz 3 anos
There's only Alice
It's dreamy weather we're on
You waved your crooked wand
Along an icy pond with a frozen moon
A murder of silhouette crows
I saw in the tears on my face
In the skates on the pond
They spelled Alice
I disappear in your name
But you must wait for me
Somewhere beneath the sea
There's a wreck of a ship
Your hair is like meadow grass on the tide
And the raindrops on my window
And the ice in my drink
Baby all I can think of is Alice
Arithmetic arithmetock
Turn the hands back on the clock
How does the ocean rock the boat?
How did the razor find my throat?
The only strings that hold me here
Are tangled up around the pier
And so secret kiss
Brings madness with the bliss
And I will think of this
When I'm dead in my grave
Set me adrift and I'm lost in your hair
And I must be insane
To go skating on your name
And by tracing it twice
I fell though the ice of Alice
There's only Alice
Tom Waits
There's only Alice
It's dreamy weather we're on
You waved your crooked wand
Along an icy pond with a frozen moon
A murder of silhouette crows
I saw in the tears on my face
In the skates on the pond
They spelled Alice
I disappear in your name
But you must wait for me
Somewhere beneath the sea
There's a wreck of a ship
Your hair is like meadow grass on the tide
And the raindrops on my window
And the ice in my drink
Baby all I can think of is Alice
Arithmetic arithmetock
Turn the hands back on the clock
How does the ocean rock the boat?
How did the razor find my throat?
The only strings that hold me here
Are tangled up around the pier
And so secret kiss
Brings madness with the bliss
And I will think of this
When I'm dead in my grave
Set me adrift and I'm lost in your hair
And I must be insane
To go skating on your name
And by tracing it twice
I fell though the ice of Alice
There's only Alice
Tom Waits
Thursday, October 13, 2005
Wednesday, October 12, 2005
Remorso
Durante a leitura nocturna
descia, às vezes, as escadas
e procurava no escuro, dentro
de um cesto, uma forma
redonda. Na quadra iluminada
do quarto, mordia depois a maçã
vermelha escura. Era enorme o ruído
dos dentes, no silêncio dessa hora
tardia e irremediável a culpa
de ter destruído aquela polpa húmida
de onde pendia o descarnado pé
no íntimo saber de pequenas sementes
que podia perfeitamente
ter apodrecido em paz.
Inês Lourenço.
Durante a leitura nocturna
descia, às vezes, as escadas
e procurava no escuro, dentro
de um cesto, uma forma
redonda. Na quadra iluminada
do quarto, mordia depois a maçã
vermelha escura. Era enorme o ruído
dos dentes, no silêncio dessa hora
tardia e irremediável a culpa
de ter destruído aquela polpa húmida
de onde pendia o descarnado pé
no íntimo saber de pequenas sementes
que podia perfeitamente
ter apodrecido em paz.
Inês Lourenço.
Tuesday, October 11, 2005
Monday, October 10, 2005
Saturday, October 8, 2005
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
os restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
Ana Cristina César
os restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
Ana Cristina César
Thursday, October 6, 2005
Wednesday, October 5, 2005
Monday, October 3, 2005
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