Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.
Amalia Bautista
Thursday, September 28, 2006
Wednesday, September 27, 2006
eu já vos disse que esta gaija escreve muuuuiiiiiiiiito, muuuuiiiiiito bem? Se não disse, digo agora
o blog da maggie é muitoooooooooooooooooo bom
o blog da maggie é muitoooooooooooooooooo bom
Tuesday, September 26, 2006
olha, cruzo os dedos como resto de um gesto
para marcar território sento-me no quarto
guardo as ilusões nos bolsos
recomeço onde outras bocas já colaram
legendas à cama vazia
(não te percas a revisitar o sono)
o musgo invade o quarto
sobram silêncios a espalhar vozes
na rua traseira há árvores e gestos lentos
em ecos feitos de pausas
metade de mim procura as palavras certas
para mover a voz uso espelhos
sem saber para que lado olhar
(parábola de movimento e respiração)
Maria Sousa
para marcar território sento-me no quarto
guardo as ilusões nos bolsos
recomeço onde outras bocas já colaram
legendas à cama vazia
(não te percas a revisitar o sono)
o musgo invade o quarto
sobram silêncios a espalhar vozes
na rua traseira há árvores e gestos lentos
em ecos feitos de pausas
metade de mim procura as palavras certas
para mover a voz uso espelhos
sem saber para que lado olhar
(parábola de movimento e respiração)
Maria Sousa
Sunday, September 24, 2006
Reflexões:
1.ª- para os outros eu não era aquele que, para mim, tinha até então julgado ser;
2.ª- não podia ver-me viver;
3.ª- não podendo ver-me viver, permanecia estranho a mim mesmo, ou seja, alguém que os outros podiam ver e conhecer, cada qual à sua maneira, e eu não;
4.ª- era impossível colocar-me diante desse estranho para o ver e conhecer, eu podia ver-me, mas não vê-lo;
5.ª- para mim o meu corpo, se o observava de fora, era como uma aparição, uma coisa que não sabia que vivia e ficava ali, à espera que alguém pegasse nela;
6.ª- tal como eu pegava no meu corpo para ser, por vezes, como me queria e me sentia, também qualquer um podia pegar nele para lhe dar uma realidade à sua maneira;
7.ª- finalmente, aquele corpo, por si mesmo, era de tal forma nada e de tal forma ninguém que um fio de ar podia, hoje, fazê-lo espirrar, amanhã, levá-lo consigo.
Luigi Pirandello
1.ª- para os outros eu não era aquele que, para mim, tinha até então julgado ser;
2.ª- não podia ver-me viver;
3.ª- não podendo ver-me viver, permanecia estranho a mim mesmo, ou seja, alguém que os outros podiam ver e conhecer, cada qual à sua maneira, e eu não;
4.ª- era impossível colocar-me diante desse estranho para o ver e conhecer, eu podia ver-me, mas não vê-lo;
5.ª- para mim o meu corpo, se o observava de fora, era como uma aparição, uma coisa que não sabia que vivia e ficava ali, à espera que alguém pegasse nela;
6.ª- tal como eu pegava no meu corpo para ser, por vezes, como me queria e me sentia, também qualquer um podia pegar nele para lhe dar uma realidade à sua maneira;
7.ª- finalmente, aquele corpo, por si mesmo, era de tal forma nada e de tal forma ninguém que um fio de ar podia, hoje, fazê-lo espirrar, amanhã, levá-lo consigo.
Luigi Pirandello
Saturday, September 23, 2006
ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES QUE O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO
Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração
Ruy Belo
Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração
Ruy Belo
Thursday, September 21, 2006
Wednesday, September 20, 2006
Envio-te
mensagens telepáticas que repito sete vezes seguidas.
Há palavras gastas que não escrevo nem digo há tanto tempo,
como: Amo-te muito. Meu amor, que saudades, vem depressa.
E outras ainda mais gastas que digo todos os dias,
como : Foda-se esta merda (somos do norte e não somos
castos nem cautos na linguagem)
Inês Lourenço
mensagens telepáticas que repito sete vezes seguidas.
Há palavras gastas que não escrevo nem digo há tanto tempo,
como: Amo-te muito. Meu amor, que saudades, vem depressa.
E outras ainda mais gastas que digo todos os dias,
como : Foda-se esta merda (somos do norte e não somos
castos nem cautos na linguagem)
Inês Lourenço
Tuesday, September 19, 2006
Para um teatrinho de armar
A cadeira de balanço
Menino (12 anos) Vou sentar-me na cadeira de balanço.
Menina (mesma idade) E se o teu avô aparece?
Menino Saio da cadeira de balanço!
Menina Mas tu gostas assim tanto da cadeira?
Menino É bom. Dá me vontade de fechar os olhos e dormir
Menina Nós somos miúdos. Não precisamos de dormir sentados, como as pessoas grandes.
Menino Se eu ainda faço vaivém, à noite, na minha cama, porque não hei-de fazer balanço, de dia, nesta cadeira?
Menina Bem… Isso é contigo!
(O Menino senta-se na cadeira de balanço. Adormece. A Menina, ao lado Observa-o. A Menina e o Menino transformam-se no Velho e na Velha. Continuam na mesma situação e no mesmo decor da acção anterior)
Velho (acorda e olha em volta) Que horas são ?
Velha As que tu quiseres. Escolhe uma hora qualquer. Tens fome?
Velho Tenho
Velha Então é hora de comer.
Velho Quero chocolate e fatias de pão com manteiga.
Com manteiga não…. Com margarina!
Velha Margarina, sim. Chocolate, não! Bem sabes que o teu fígado não anda bom!
Velho Há sessenta anos que não dizes outra coisa…
Velha Quanto é sessenta anos?
Velho É as cinco meninas que há em ti. Quando te conheci tinhas doze anos. Cinco vezes doze, sessenta!
Velha Brincávamos aos solteiros e casados, lembras-te?
Velho Não. Aos policias e ladroes. E agora estamos a brincar aos velhos!
Velha Nunca vi um velho pedir chocolate e pão com manteiga!
Velho Com margarina, com margarina!
(o Velho e a Velha transformam-se no menino e na menina do começo da acção, sempre na situação e no mesmo decor)
Menino (acordando) Que horas são?
Menina São horas de lanchar. Queres café com leite e pão com margarina?
Menino (levantando-se bruscamente da cadeira, que fica a balançar) Não gosto de cadeiras de balanço! Não me deixes mais dormir em cadeiras de balanço, ouviste?
Menina (rindo) Pois sim….
Alexandre O' Neill
A cadeira de balanço
Menino (12 anos) Vou sentar-me na cadeira de balanço.
Menina (mesma idade) E se o teu avô aparece?
Menino Saio da cadeira de balanço!
Menina Mas tu gostas assim tanto da cadeira?
Menino É bom. Dá me vontade de fechar os olhos e dormir
Menina Nós somos miúdos. Não precisamos de dormir sentados, como as pessoas grandes.
Menino Se eu ainda faço vaivém, à noite, na minha cama, porque não hei-de fazer balanço, de dia, nesta cadeira?
Menina Bem… Isso é contigo!
(O Menino senta-se na cadeira de balanço. Adormece. A Menina, ao lado Observa-o. A Menina e o Menino transformam-se no Velho e na Velha. Continuam na mesma situação e no mesmo decor da acção anterior)
Velho (acorda e olha em volta) Que horas são ?
Velha As que tu quiseres. Escolhe uma hora qualquer. Tens fome?
Velho Tenho
Velha Então é hora de comer.
Velho Quero chocolate e fatias de pão com manteiga.
Com manteiga não…. Com margarina!
Velha Margarina, sim. Chocolate, não! Bem sabes que o teu fígado não anda bom!
Velho Há sessenta anos que não dizes outra coisa…
Velha Quanto é sessenta anos?
Velho É as cinco meninas que há em ti. Quando te conheci tinhas doze anos. Cinco vezes doze, sessenta!
Velha Brincávamos aos solteiros e casados, lembras-te?
Velho Não. Aos policias e ladroes. E agora estamos a brincar aos velhos!
Velha Nunca vi um velho pedir chocolate e pão com manteiga!
Velho Com margarina, com margarina!
(o Velho e a Velha transformam-se no menino e na menina do começo da acção, sempre na situação e no mesmo decor)
Menino (acordando) Que horas são?
Menina São horas de lanchar. Queres café com leite e pão com margarina?
Menino (levantando-se bruscamente da cadeira, que fica a balançar) Não gosto de cadeiras de balanço! Não me deixes mais dormir em cadeiras de balanço, ouviste?
Menina (rindo) Pois sim….
Alexandre O' Neill
Esta manhã comecei a esquecer-me de ti.
Acordei mais cedo que nos outros dias
e com o mesmo sono.
A tua boca dizia-me "bom dia" mas não:
não o teu corpo todo como nos outros dias.
As sombras por aqui são lentas e hoje não
comprei o jornal: o mundo que se ocupe da
sua própria melancolia.
ontem. há uma semana. há muitos meses.
um ano ensina ao coração o novo ofício:
a vida toda eu hei-de esquecer-me de ti.
Rui Costa
Acordei mais cedo que nos outros dias
e com o mesmo sono.
A tua boca dizia-me "bom dia" mas não:
não o teu corpo todo como nos outros dias.
As sombras por aqui são lentas e hoje não
comprei o jornal: o mundo que se ocupe da
sua própria melancolia.
ontem. há uma semana. há muitos meses.
um ano ensina ao coração o novo ofício:
a vida toda eu hei-de esquecer-me de ti.
Rui Costa
Monday, September 18, 2006
Nature Boy
There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he
And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"
Eden Ahbez
There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he
And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"
Eden Ahbez
Sunday, September 17, 2006
Thursday, September 14, 2006
Wednesday, September 13, 2006
O armário onde guardo os botões cor-de-rosa
fica neste lado da casa, coloquei-os
dentro de um boião azul e sempre que os vou procurar
encontro coisas de outra cor, quer dizer,
encontro botões com outras tonalidades
que nada têm a ver com o azul ou com a cor
rosa, mas antes com a cor que tem um prado
meia hora antes de amanhecer, ou com um rio
que se esqueceu de adormecer depois da hora combinada,
exactamente dois minutos antes da meia-noite.
Por esta razão a minha mãe desistiu de me ensinar os tons
do arco-íris e diz que sempre que eu quiser aprender as cores
devo ir procurar no relógio de pulso do meu pai
que, como toda a gente sabe,
nunca se atrasa nem nunca se adianta.
Amadeu Baptista
fica neste lado da casa, coloquei-os
dentro de um boião azul e sempre que os vou procurar
encontro coisas de outra cor, quer dizer,
encontro botões com outras tonalidades
que nada têm a ver com o azul ou com a cor
rosa, mas antes com a cor que tem um prado
meia hora antes de amanhecer, ou com um rio
que se esqueceu de adormecer depois da hora combinada,
exactamente dois minutos antes da meia-noite.
Por esta razão a minha mãe desistiu de me ensinar os tons
do arco-íris e diz que sempre que eu quiser aprender as cores
devo ir procurar no relógio de pulso do meu pai
que, como toda a gente sabe,
nunca se atrasa nem nunca se adianta.
Amadeu Baptista
Tuesday, September 12, 2006
Ontem à noite, depois da sua partida definitiva,
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.
Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.
Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.
Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.
E depois comecei a escrever...
Marguerite Duras
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.
Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.
Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.
Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.
E depois comecei a escrever...
Marguerite Duras
esboço para um poema de amor moderno
embora o branco
seja mais bem descrito pelo cinzento
o pássaro pela pedra
girassóis
em Dezembro
os poemas de amor de Outrora
eram descrições da carne
descreviam isto e aquilo
por vezes pálpebras
e embora o vermelho
deva ser descrito
pelo cinzento o sol pela chuva
papoilas em Novembro
lábios de noite
a mais tangível
descrição do pão
é uma descrição de fome
nela está
o caroço húmido e poroso
o interior quente
girassóis à noite
os seios ventre e coxas de Cibele
os seios ventre e coxas de Cibele
Uma primaveril clara
e transparente descrição
da água
é uma descrição da sede
cinzas
deserto
isso produz uma miragem
nuvens e árvores movem-se
para dentro do espelho
privação de desejo
ausência
de carne
tudo isto é uma descrição de amor
um poema de amor moderno
Tadeusz Rózewicz
embora o branco
seja mais bem descrito pelo cinzento
o pássaro pela pedra
girassóis
em Dezembro
os poemas de amor de Outrora
eram descrições da carne
descreviam isto e aquilo
por vezes pálpebras
e embora o vermelho
deva ser descrito
pelo cinzento o sol pela chuva
papoilas em Novembro
lábios de noite
a mais tangível
descrição do pão
é uma descrição de fome
nela está
o caroço húmido e poroso
o interior quente
girassóis à noite
os seios ventre e coxas de Cibele
os seios ventre e coxas de Cibele
Uma primaveril clara
e transparente descrição
da água
é uma descrição da sede
cinzas
deserto
isso produz uma miragem
nuvens e árvores movem-se
para dentro do espelho
privação de desejo
ausência
de carne
tudo isto é uma descrição de amor
um poema de amor moderno
Tadeusz Rózewicz
Quero dizer-te uma coisa simples: a tua ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma; mas que não deixa, por isso, de deixar alguns sinais - um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto. São estas as formas do amor, podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples também podem ser complicadas, quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade. Porém, é o sonho que me traz a tua memória; e a realidade aproxima-me de ti, agora que os dias correrm mais depressa, e as palavras ficam presas numa refracção de instantes, quando a tua voz me chama de dentro de mim - e me faz responder-te uma coisa simples, como dizer que a tua ausência me dói.
Nuno Júdice
Nuno Júdice
Monday, September 11, 2006
Sunday, September 10, 2006
Saturday, September 9, 2006
Thursday, September 7, 2006
DISCO NOVO DO TIO TOM JÁ EM NOVEMBRO !!!
Como é que eu só soube disto hoje??? Porque é que ninguém me avisa destas coisas???
(é favor ler esta parte do post em modo voz de lebre stressada)
“Orphans are rough and tender tunes. Rhumbas about mermaids, shuffles about trainwrecks, tarantellas about insects, madrigrals about drowning,” says Waits. “Scared, mean, orphans songs of rapture and melancholy. Songs that grew up hard. Songs of dubious origin rescued from cruel fate and now left wanting only to be cared for. Show that you are not afraid and take them home. They don’t bite, they just need attention.”
Como é que eu só soube disto hoje??? Porque é que ninguém me avisa destas coisas???
(é favor ler esta parte do post em modo voz de lebre stressada)
“Orphans are rough and tender tunes. Rhumbas about mermaids, shuffles about trainwrecks, tarantellas about insects, madrigrals about drowning,” says Waits. “Scared, mean, orphans songs of rapture and melancholy. Songs that grew up hard. Songs of dubious origin rescued from cruel fate and now left wanting only to be cared for. Show that you are not afraid and take them home. They don’t bite, they just need attention.”
Wednesday, September 6, 2006
O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.
Fiama Hasse Pais Brandão
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.
Fiama Hasse Pais Brandão
Tuesday, September 5, 2006
Os meus sentimentos
deviam guarda-los, ainda lhe podiam fazer falta, e a mim não me serviam de nada, devia tê-lo aconselhado a guardar os sentimentos, nunca sabemos quando precisamos dos sentimentos, da latinha de fermento que está há anos na despensa, da camisola de lã que não é vestida há mais de cinco Invernos, nunca se sabe quando precisamos de coisas mesmo se nunca as utilizamos, não fosse essa incerteza e punha um anúncio no jornal, vendem-se sentimentos, estado impecável, como novos, oportunidade única, motivo mudança de vida, bom preço
Dulce Maria Cardoso
deviam guarda-los, ainda lhe podiam fazer falta, e a mim não me serviam de nada, devia tê-lo aconselhado a guardar os sentimentos, nunca sabemos quando precisamos dos sentimentos, da latinha de fermento que está há anos na despensa, da camisola de lã que não é vestida há mais de cinco Invernos, nunca se sabe quando precisamos de coisas mesmo se nunca as utilizamos, não fosse essa incerteza e punha um anúncio no jornal, vendem-se sentimentos, estado impecável, como novos, oportunidade única, motivo mudança de vida, bom preço
Dulce Maria Cardoso
Monday, September 4, 2006
CARTA A FÁTIMA
Lembras-te Fátima? era o que eu sempre te dizia, não somos nada nas mãos do acaso, e não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim? se nem tu já te lembras de mim agora, tu, a quem tanto amei, não te lembras, e foi há tão pouco, foi ontem, parece, que te levantaste e disseste: «Ficamos amigos como dantes»... E dizias: como dantes e era já noutro que pensavas, olhavas-me e nos teus olhos ria-se a traição, o prazer da liberdade, um desafio alegre, uma alegria provocante e desapiedada, ias a meu lado pela última vez e eu era já um estranho para ti, um fantasma a quem se concede, por caridade, uns momentos mais de companhia, algumas palavras vagas distraídas, um pouco de estima, talvez. Reparei: o teu corpo, oh corpo do meu prazer! oh carne virgem sangrando debaixo de mim! oh meu repouso e minha febre! o teu corpo outrora tão cativo e tão submisso, ficara de repente cerimonioso e esquivo, cauteloso, afastado, com um pudor forçado no puxares a saia sobre os joelhos, como se tivesse uma grande vergonha do despudor com que se dera antes...
Dizias: como dantes e não era já nisso que pensavas, e não era já para mim que falavas, eu era uma coisa para esquecer, para deitar fora, uma coisa que se abandona caída no chão e se perde sem pena. Dizias: «adeus» e saías da minha vida com um aperto de mão desembaraçado, quase cordial um gesto de boa camarada, como se nada tivesse havido antes, como se não tivéssemos sido tantas vezes na cama, um dentro do outro, um no outro, um-outro diferente, uma coisa sublime: Deus Criador, como os míseros humanos só ali o podem sentir e saber; um Outro que éramos nós ainda, mas tão transtornados, tão virados para fora de nós, tão esquecidos do mundo e de nós, tão eficazes, tão leais, nós boca com boca, corpo a corpo, um sexo torturando um sexo, mordendo-se devorando-se, numa febre de chegar ao fim depressa, ao esquecimento, ao repouso. Disseste: adeus e eu odiei-te logo nesse minuto, como te odeio agora, não por ti ou pelo teu corpo que já me esqueceu noutros que vieram depois, mas porque morri ali naquela palavra, -morri entendes? -, perdi-me numa grande confusão, esqueci-me de ser eu, fiquei roubado do meu passado.
Hoje, encontrarias um outro homem; havia de rir-me do teu corpo, da sua entrega ou das suas traições, de tu me dizeres: «Vem» ou «Adeus...», ou «Não quero...». Hoje, saberias quem fizeste com uma só palavra, conhecerias um outro homem, que é obra tua, minha segunda mãe! Hoje, havia de rir ou chorar, era a máscara do momento; mas diria: tanto faz..., tanto me faz... Sabia-o!
Luiz Pacheco
Lembras-te Fátima? era o que eu sempre te dizia, não somos nada nas mãos do acaso, e não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim? se nem tu já te lembras de mim agora, tu, a quem tanto amei, não te lembras, e foi há tão pouco, foi ontem, parece, que te levantaste e disseste: «Ficamos amigos como dantes»... E dizias: como dantes e era já noutro que pensavas, olhavas-me e nos teus olhos ria-se a traição, o prazer da liberdade, um desafio alegre, uma alegria provocante e desapiedada, ias a meu lado pela última vez e eu era já um estranho para ti, um fantasma a quem se concede, por caridade, uns momentos mais de companhia, algumas palavras vagas distraídas, um pouco de estima, talvez. Reparei: o teu corpo, oh corpo do meu prazer! oh carne virgem sangrando debaixo de mim! oh meu repouso e minha febre! o teu corpo outrora tão cativo e tão submisso, ficara de repente cerimonioso e esquivo, cauteloso, afastado, com um pudor forçado no puxares a saia sobre os joelhos, como se tivesse uma grande vergonha do despudor com que se dera antes...
Dizias: como dantes e não era já nisso que pensavas, e não era já para mim que falavas, eu era uma coisa para esquecer, para deitar fora, uma coisa que se abandona caída no chão e se perde sem pena. Dizias: «adeus» e saías da minha vida com um aperto de mão desembaraçado, quase cordial um gesto de boa camarada, como se nada tivesse havido antes, como se não tivéssemos sido tantas vezes na cama, um dentro do outro, um no outro, um-outro diferente, uma coisa sublime: Deus Criador, como os míseros humanos só ali o podem sentir e saber; um Outro que éramos nós ainda, mas tão transtornados, tão virados para fora de nós, tão esquecidos do mundo e de nós, tão eficazes, tão leais, nós boca com boca, corpo a corpo, um sexo torturando um sexo, mordendo-se devorando-se, numa febre de chegar ao fim depressa, ao esquecimento, ao repouso. Disseste: adeus e eu odiei-te logo nesse minuto, como te odeio agora, não por ti ou pelo teu corpo que já me esqueceu noutros que vieram depois, mas porque morri ali naquela palavra, -morri entendes? -, perdi-me numa grande confusão, esqueci-me de ser eu, fiquei roubado do meu passado.
Hoje, encontrarias um outro homem; havia de rir-me do teu corpo, da sua entrega ou das suas traições, de tu me dizeres: «Vem» ou «Adeus...», ou «Não quero...». Hoje, saberias quem fizeste com uma só palavra, conhecerias um outro homem, que é obra tua, minha segunda mãe! Hoje, havia de rir ou chorar, era a máscara do momento; mas diria: tanto faz..., tanto me faz... Sabia-o!
Luiz Pacheco
Sunday, September 3, 2006
Que construção é mais sólida, se aguentou
mais tempo. E quantos mais aí moram, menos se
a consegue abandonar. Para onde. Anseia-se
por uma casa de Verão sem um fogão e sem
história. Estou aqui porque estou aqui.
Esta noite estive acordada, fazia vento, chuvas
fustigavam o castanheiro, enquanto já vinha o dia,
a noite não tinha trazido paz. Eu sabia
como eram as coisas, fui dormir e acordei
numa manhã de silêncio, lívida de tristeza.
Não se pode continuar com lamúrias. As ameixas
baqueiam podres das árvores, no frio
quintal as cores envelhecem velozes. Experimentar
tudo sem anestesia, pôr a postos as panelas e
o açúcar, gerir os arquivos, guardar os cacos.
Anna Enquist
mais tempo. E quantos mais aí moram, menos se
a consegue abandonar. Para onde. Anseia-se
por uma casa de Verão sem um fogão e sem
história. Estou aqui porque estou aqui.
Esta noite estive acordada, fazia vento, chuvas
fustigavam o castanheiro, enquanto já vinha o dia,
a noite não tinha trazido paz. Eu sabia
como eram as coisas, fui dormir e acordei
numa manhã de silêncio, lívida de tristeza.
Não se pode continuar com lamúrias. As ameixas
baqueiam podres das árvores, no frio
quintal as cores envelhecem velozes. Experimentar
tudo sem anestesia, pôr a postos as panelas e
o açúcar, gerir os arquivos, guardar os cacos.
Anna Enquist
Friday, September 1, 2006
É isto. Ouve com atenção. Meditei sobre o amor, e esclareci tudo. Vi claramente o que está errado. Os homens apaixonam-se pela primeira vez. E por quem se apaixonam eles?
A boca macia do garoto estava entreaberta; e o rapaz não respondeu.
- Por uma mulher -- disse o velho. -- Sem ciência, sem nada que os sustente, entregam-se à experiência mais perigosa e sagrada desta terra de Deus. Apaixonam-se por uma mulher. Não é isto verdade, meu filho?
- É... -- respondeu murmuradamente o rapaz.
- Começam pelo lado errado do amor. Começam pelo mais alto. É para admirar a tão grande miséria resultante? Sabes como os homens deveriam amar?
O velho estendeu a mão e agarrou o rapaz pela gola da blusa de couro. Sacudiu-o suavemente, e os olhos verdes olhavam sem pestanejar, graves.
- Meu filho, sabes como o amor devia começar?
O rapaz sentia-se pequeno no banco, todo ouvidos, imóvel. E, devagar, abanou a cabeça. O velho chegou-se mais e segredou:
- Uma árvore. Um rochedo. Uma nuvem.
Carson McCullers
A boca macia do garoto estava entreaberta; e o rapaz não respondeu.
- Por uma mulher -- disse o velho. -- Sem ciência, sem nada que os sustente, entregam-se à experiência mais perigosa e sagrada desta terra de Deus. Apaixonam-se por uma mulher. Não é isto verdade, meu filho?
- É... -- respondeu murmuradamente o rapaz.
- Começam pelo lado errado do amor. Começam pelo mais alto. É para admirar a tão grande miséria resultante? Sabes como os homens deveriam amar?
O velho estendeu a mão e agarrou o rapaz pela gola da blusa de couro. Sacudiu-o suavemente, e os olhos verdes olhavam sem pestanejar, graves.
- Meu filho, sabes como o amor devia começar?
O rapaz sentia-se pequeno no banco, todo ouvidos, imóvel. E, devagar, abanou a cabeça. O velho chegou-se mais e segredou:
- Uma árvore. Um rochedo. Uma nuvem.
Carson McCullers
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