Há três dias que durmo desordenadamente. Transpiro e acordo e vejo casas que são desdobramentos da minha própria casa. A verdade é que preciso de ti para um poema. Preciso que te passeies por uma dessas casas, que te sentes, que te deites. Preciso olhar para ti durante 27 segundos...
Vasco Gato
Wednesday, February 28, 2007
Tuesday, February 27, 2007
Chegam cedo de mais, quando ainda não podem escolher
nem decidir Vêm carregados de espectros, de memórias
e de feridas que não souberam sarar; mas trazem a confiança
da cura nas palavras. Convencem-se de que amam outra vez
quando nos tocam os pequenos lugares, esquecendo-se do rumo
incerto dos seus passos nas estradas tortuosas que os
trouxeram. Abafam-se num cobertor de mentiras sem saber e
falam de injustiça quando tentamos chamá-los à verdade.
Dormem de vez em quando nas nossas camas e protegemo-los
da dor como aos filhos que não iremos ter nunca
porque não nos resignamos a perdê-los. E, um dia, partem, vão
culpados, não chegam a explicar o que os arrasta. Escrevem
cartas mais tarde — uma ou duas para se aliviarem dessa espada.
E nós ficamos, eternamente, sem vergonha, à espera que regressem.
Maria do Rosário Pedreira
nem decidir Vêm carregados de espectros, de memórias
e de feridas que não souberam sarar; mas trazem a confiança
da cura nas palavras. Convencem-se de que amam outra vez
quando nos tocam os pequenos lugares, esquecendo-se do rumo
incerto dos seus passos nas estradas tortuosas que os
trouxeram. Abafam-se num cobertor de mentiras sem saber e
falam de injustiça quando tentamos chamá-los à verdade.
Dormem de vez em quando nas nossas camas e protegemo-los
da dor como aos filhos que não iremos ter nunca
porque não nos resignamos a perdê-los. E, um dia, partem, vão
culpados, não chegam a explicar o que os arrasta. Escrevem
cartas mais tarde — uma ou duas para se aliviarem dessa espada.
E nós ficamos, eternamente, sem vergonha, à espera que regressem.
Maria do Rosário Pedreira
Monday, February 26, 2007
Friday, February 23, 2007
Thursday, February 22, 2007
as pessoas morrem nunca partem de nós, eu separei-te
de mim, cortei-te-me. em cinemas imaginários filmados por
mãos iluminadas usei teu corpo. coloquei o deserto do teu
coração rente à minha boca. lavaram-me o desespero as
lágrimas que choravas no escuro. parti-te.
estou a fazer-te luto. desejei-te tanto. discuti-te tanto
contigo. agora percebo que te atirei demais contra tantos
poemas.
agora encontramo-nos. eu tenho de colar-te os restos
para conseguir ver-te para além do que trago molhado nos
olhos, acabou o passeio no meu jardim interior, pleno de estatuas
quebradas, as noites acabo sempre assim, abraçado ao rosto
restos da pedra, agradecendo-lhe as imagens.
Pedro Sena-Lino
de mim, cortei-te-me. em cinemas imaginários filmados por
mãos iluminadas usei teu corpo. coloquei o deserto do teu
coração rente à minha boca. lavaram-me o desespero as
lágrimas que choravas no escuro. parti-te.
estou a fazer-te luto. desejei-te tanto. discuti-te tanto
contigo. agora percebo que te atirei demais contra tantos
poemas.
agora encontramo-nos. eu tenho de colar-te os restos
para conseguir ver-te para além do que trago molhado nos
olhos, acabou o passeio no meu jardim interior, pleno de estatuas
quebradas, as noites acabo sempre assim, abraçado ao rosto
restos da pedra, agradecendo-lhe as imagens.
Pedro Sena-Lino
Monday, February 19, 2007
Sunday, February 18, 2007
Friday, February 16, 2007
Thursday, February 15, 2007
Wednesday, February 14, 2007
Respiração do tempo
a rectidão da água; o crescimento
das avenidas, ao anoitecer, sob a nua
vibração dos faróis;
o laço, mesmo, das portas só
entreabertas, onde a luz
silenciosa se demora;
são memórias, decerto, de um anterior
esquecimento, uma inocente
fadiga das coisas,
como os corpos calados, abandonados
na véspera da guerra, o teu
jeito para
o desalinho branco das palavras,
altas as
asas de nuvens no clarão do céu
em vão rigor abrindo
o destinado enigma: assim
desconhecer-te cada dia mais
ausente de recados e colheitas,
em assustado bosque, em sombra
clareira,
ao risco dos rios frívolos descendo
seixos polidos, desinscritos,
imóveis movendo
a luz do dia;
a margem recortada, aonde vivem
ausentes e seguros, os luminosos
animais do inverno;
assim são na verdade os muros claros;
assim respira o tempo, a terra intensa.
António Franco Alexandre
a rectidão da água; o crescimento
das avenidas, ao anoitecer, sob a nua
vibração dos faróis;
o laço, mesmo, das portas só
entreabertas, onde a luz
silenciosa se demora;
são memórias, decerto, de um anterior
esquecimento, uma inocente
fadiga das coisas,
como os corpos calados, abandonados
na véspera da guerra, o teu
jeito para
o desalinho branco das palavras,
altas as
asas de nuvens no clarão do céu
em vão rigor abrindo
o destinado enigma: assim
desconhecer-te cada dia mais
ausente de recados e colheitas,
em assustado bosque, em sombra
clareira,
ao risco dos rios frívolos descendo
seixos polidos, desinscritos,
imóveis movendo
a luz do dia;
a margem recortada, aonde vivem
ausentes e seguros, os luminosos
animais do inverno;
assim são na verdade os muros claros;
assim respira o tempo, a terra intensa.
António Franco Alexandre
Tuesday, February 13, 2007
Monday, February 12, 2007
tradução caseira da lebre
Ervas, alho,
queijo, por favor, deixem-me entrar!
Souflés, salada,
rolos Parker House,
por favor, deixem-me entrar!
Cozinheira Helen, porque estás zangada,
porque é que a tua cozinha está proibida?
Não me podias ao menos ensinar a
assar uma batata?
Esse encanto
esse jovem príncipe?
Não, não!
Este é o meu país!
Gritas silenciosamente.
Não me podias mostrar o
molho, como o retiras do estômago daquele pássaro?
Helen, Helen,
deixa-me entrar, deixa-me sentir a farinha,
é cega e assustadora,
esta coisa que faz bolos?
Helen, Helen,
A cozinha é o teu cão,
que afagas,
amas,
e manténs limpo.
Mas estas coisas todas,
todos estes pratos de coisas
aparecem através da porta articulada
e eu não sei de onde vêm?
Helen, dá-me um bocado de geleia de tomate,
não quero estar só.
Anne Sexton
Ervas, alho,
queijo, por favor, deixem-me entrar!
Souflés, salada,
rolos Parker House,
por favor, deixem-me entrar!
Cozinheira Helen, porque estás zangada,
porque é que a tua cozinha está proibida?
Não me podias ao menos ensinar a
assar uma batata?
Esse encanto
esse jovem príncipe?
Não, não!
Este é o meu país!
Gritas silenciosamente.
Não me podias mostrar o
molho, como o retiras do estômago daquele pássaro?
Helen, Helen,
deixa-me entrar, deixa-me sentir a farinha,
é cega e assustadora,
esta coisa que faz bolos?
Helen, Helen,
A cozinha é o teu cão,
que afagas,
amas,
e manténs limpo.
Mas estas coisas todas,
todos estes pratos de coisas
aparecem através da porta articulada
e eu não sei de onde vêm?
Helen, dá-me um bocado de geleia de tomate,
não quero estar só.
Anne Sexton
Sunday, February 11, 2007
para a menina limão
Donzelas
Conheci algumas. Não parecem
mortais. E nem se enfadam nem se riem
às gargalhadas. E acordam sempre
como se já estivessem maquilhadas,
rosadas, sem malícia, saudáveis.
Não usam nunca fato com casaco,
mas sim véu de tule até aos pés.
Andam descalças mesmo no Inverno,
nunca têm calor nem têm frio
passam a vida inteira à espera.
Nunca se impacientam. Mas às vezes,
a imensa maioria das vezes,
não há dragão que queira sequestrá-las
nem cavaleiro andante que as salve.
Amalia Bautista
Donzelas
Conheci algumas. Não parecem
mortais. E nem se enfadam nem se riem
às gargalhadas. E acordam sempre
como se já estivessem maquilhadas,
rosadas, sem malícia, saudáveis.
Não usam nunca fato com casaco,
mas sim véu de tule até aos pés.
Andam descalças mesmo no Inverno,
nunca têm calor nem têm frio
passam a vida inteira à espera.
Nunca se impacientam. Mas às vezes,
a imensa maioria das vezes,
não há dragão que queira sequestrá-las
nem cavaleiro andante que as salve.
Amalia Bautista
Friday, February 9, 2007
SIM
"Quem não me deu amor, não me deu nada."
Ruy Cinatti
Mãe, ou pai, é quem cria com amor. Fora disso, não existe senão o automatismo biológico da procriação. Como sabiam os filósofos antigos, não é a vida o que importa, mas sim a dignidade com que a mesma é vivida. Uma criança não desejada é uma criança condenada ao pior dos infortúnios: o desamor. É uma criança, portanto, condenada à indignidade. A menos que tenha a sorte “de ser adoptada e blá-blá com amor etc.” A sorte. Mas a dignidade da vida humana não devia ser uma questão de sorte. Devia ser – adivinharam – um direito. E muito mais importante (ou “sagrado”, se quiserem) do que o propalado direito a nascer.
A este respeito, os arcaizantes defensores do Não ao aborto limitam-se a reproduzir chavões de origem religiosa (que muitos confundem com “ética”); pois aquilo a que eles chamam o direito à vida traduz-se, de facto, no mero direito à sobrevivência física, ou seja, à indignidade. (Eu também acho que o mais importante é estar vivo – a minha anedota preferida até é aquela do “Mexeu-se! Mexeu-se!” que por certo conhecem –, mas isso é depois de se ter nascido. Antes, que diferença faz?) E dizem-se então chocados, os do Não, com a ideia de interromper um nascimento; mas não os choca a indigência material, intelectual e moral em que vivem as crianças pobres e não desejadas. (Uma indigência para a qual muitos deles, grandes cínicos, contribuem activamente: legislando, remunerando, despedindo, etc.) É assim, a infelicidade dos outros não os choca, o que os choca é a opinião contrária: a opinião soprada contra as velinhas que os alumiam. Incomoda-os a liberdade dos outros. Assusta-os.
José Miguel Silva
"Quem não me deu amor, não me deu nada."
Ruy Cinatti
Mãe, ou pai, é quem cria com amor. Fora disso, não existe senão o automatismo biológico da procriação. Como sabiam os filósofos antigos, não é a vida o que importa, mas sim a dignidade com que a mesma é vivida. Uma criança não desejada é uma criança condenada ao pior dos infortúnios: o desamor. É uma criança, portanto, condenada à indignidade. A menos que tenha a sorte “de ser adoptada e blá-blá com amor etc.” A sorte. Mas a dignidade da vida humana não devia ser uma questão de sorte. Devia ser – adivinharam – um direito. E muito mais importante (ou “sagrado”, se quiserem) do que o propalado direito a nascer.
A este respeito, os arcaizantes defensores do Não ao aborto limitam-se a reproduzir chavões de origem religiosa (que muitos confundem com “ética”); pois aquilo a que eles chamam o direito à vida traduz-se, de facto, no mero direito à sobrevivência física, ou seja, à indignidade. (Eu também acho que o mais importante é estar vivo – a minha anedota preferida até é aquela do “Mexeu-se! Mexeu-se!” que por certo conhecem –, mas isso é depois de se ter nascido. Antes, que diferença faz?) E dizem-se então chocados, os do Não, com a ideia de interromper um nascimento; mas não os choca a indigência material, intelectual e moral em que vivem as crianças pobres e não desejadas. (Uma indigência para a qual muitos deles, grandes cínicos, contribuem activamente: legislando, remunerando, despedindo, etc.) É assim, a infelicidade dos outros não os choca, o que os choca é a opinião contrária: a opinião soprada contra as velinhas que os alumiam. Incomoda-os a liberdade dos outros. Assusta-os.
José Miguel Silva
Thursday, February 8, 2007
Tuesday, February 6, 2007
não estou certo de nada. gostava, contudo,
de acreditar que existes, para te esperar sem
angústia, talvez pôr a música mais baixo, ouvir
os vizinhos a conversar, preparar coisas para te
dizer, ler um livro, vestir-me. gostava de ter
por ti um amor convencional, sem ter de o
imaginar. com um jantar pelo meio, um passeio
no mais popular do parque, a ver cisnes e a
fugir dos cavalos. mas não estou certo de nada, e
mais fácil é fechar as portadas, escolher um cobertor
quente e fazer com que vente mais e mais lá fora
valter hugo mãe
de acreditar que existes, para te esperar sem
angústia, talvez pôr a música mais baixo, ouvir
os vizinhos a conversar, preparar coisas para te
dizer, ler um livro, vestir-me. gostava de ter
por ti um amor convencional, sem ter de o
imaginar. com um jantar pelo meio, um passeio
no mais popular do parque, a ver cisnes e a
fugir dos cavalos. mas não estou certo de nada, e
mais fácil é fechar as portadas, escolher um cobertor
quente e fazer com que vente mais e mais lá fora
valter hugo mãe
Monday, February 5, 2007
Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se.
Helder Moura Pereira
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se.
Helder Moura Pereira
Sunday, February 4, 2007
Vou pôr anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro da água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.
António Franco Alexandre
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro da água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.
António Franco Alexandre
Friday, February 2, 2007
Thursday, February 1, 2007
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