nos dias tristes não se fala de aves
liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.
nos dias tristes é inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento
e diz-se bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso
nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco.
filipa leal
Thursday, January 31, 2008
Wednesday, January 30, 2008
No desespero te confirmam
os que sabem (saberão?)
do estrume dos conceitos
e das épocas que morrem,
iguais ao vazio.
Mas não é bem isso:
querias apenas um lugar
de sombra, cercado de ausência,
um lugar comum combustível
e sem Deus. Aí, perdoando o corpo,
falarias do Inverno e dos
cigarros que se enrolam
ao lado de uma cerveja fria.
Curtas sentenças prosaicas
que em silêncio te confirmam
nos sítios de fora, errados,
onde a outra voz era esta.
Manuel de Freitas
os que sabem (saberão?)
do estrume dos conceitos
e das épocas que morrem,
iguais ao vazio.
Mas não é bem isso:
querias apenas um lugar
de sombra, cercado de ausência,
um lugar comum combustível
e sem Deus. Aí, perdoando o corpo,
falarias do Inverno e dos
cigarros que se enrolam
ao lado de uma cerveja fria.
Curtas sentenças prosaicas
que em silêncio te confirmam
nos sítios de fora, errados,
onde a outra voz era esta.
Manuel de Freitas
Tuesday, January 29, 2008
Monday, January 28, 2008
Não é fácil ser poeta a tempo inteiro.
Eu, por exemplo, nem cinco minutos por dia,
pois levanto-me tarde e primeiro há que lavar
os dentes, suportar os incisivos
à face do espelho, pentear a cabeça e depois,
a poeira que caminha, o massacre dos culpados,
assistir de olhos frios à refrega dos centauros.
Chegar por fim a casa para a prosa
de uma carne à jardineira, o estrondo
das notícias, a louça por quebrar. Concluindo,
só por volta das duas da manhã começo a despir
o fato de macaco, a deixar as imagens correr,
simulacro do desastre.
Mas entretanto já é hora de dormir.
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma.
José Miguel Silva
Eu, por exemplo, nem cinco minutos por dia,
pois levanto-me tarde e primeiro há que lavar
os dentes, suportar os incisivos
à face do espelho, pentear a cabeça e depois,
a poeira que caminha, o massacre dos culpados,
assistir de olhos frios à refrega dos centauros.
Chegar por fim a casa para a prosa
de uma carne à jardineira, o estrondo
das notícias, a louça por quebrar. Concluindo,
só por volta das duas da manhã começo a despir
o fato de macaco, a deixar as imagens correr,
simulacro do desastre.
Mas entretanto já é hora de dormir.
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma.
José Miguel Silva
Saturday, January 26, 2008
Thursday, January 24, 2008
Envio-te
mensagens telepáticas que repito sete vezes seguidas.
Há palavras gastas que não escrevo nem digo há tanto tempo,
como: Amo-te muito. Meu amor, que saudades, vem depressa.
E outras ainda mais gastas que digo todos os dias,
como : Foda-se esta merda (somos do norte e não somos
castos nem cautos na linguagem)
Inês Lourenço
mensagens telepáticas que repito sete vezes seguidas.
Há palavras gastas que não escrevo nem digo há tanto tempo,
como: Amo-te muito. Meu amor, que saudades, vem depressa.
E outras ainda mais gastas que digo todos os dias,
como : Foda-se esta merda (somos do norte e não somos
castos nem cautos na linguagem)
Inês Lourenço
Wednesday, January 23, 2008
Tuesday, January 22, 2008
Sabes o que notei em mim? Que a minha pele já não é como antes, que mudou sem que tenha descoberto uma ruga a mais. São sempre as mesmas rugas, as que tive aos vinte anos, só que cavadas, acentuadas. É um sinal, e de quê? De uma maneira geral, sabe-se onde isto nos leva: ao final. Mas além disso? Com que rostos vamos desaparecer, tu e eu? Não é envelhecer que me assombra, mas a desconhecida que sucede a uma desconhecida.
Ingeborg Bachmann
Ingeborg Bachmann
Monday, January 21, 2008
a cama como refúgio
num colchão vestido de inverno
os lençóis a oferecer regaço ao corpo
a cor do quarto é feita de palavras
engasgadas na garganta
a tua respiração ainda se sente nas roupas
que te esperam nas cadeiras
e apesar do sono talvez gostar de ausências
porque não abres a porta?
é tudo o que me falta para as palavras deixarem de ser pele
Maria Sousa
num colchão vestido de inverno
os lençóis a oferecer regaço ao corpo
a cor do quarto é feita de palavras
engasgadas na garganta
a tua respiração ainda se sente nas roupas
que te esperam nas cadeiras
e apesar do sono talvez gostar de ausências
porque não abres a porta?
é tudo o que me falta para as palavras deixarem de ser pele
Maria Sousa
Saturday, January 19, 2008
Friday, January 18, 2008
Thursday, January 17, 2008
Wednesday, January 16, 2008
chegaste donde o medo tecia os meus cabelos
donde os pássaros ardiam a voz
donde só o silêncio se desconhecia
era tão larga a morte
que não se podia ver dos meus olhos
chegaste quando o fim sangrava dos meus braços
a casa soterrou-me dos teus passos
terra de mim todo
chegaste pelo coração de água da noite
quando o mistério escorre em grito pelos telhados
e Deus se desabita
chegaste tão de dentro de mim mesmo
que agora que a morte me nasce na garganta
a noite e o meu rosto são alguém
que eu próprio desconheço
Pedro Sena-Lino
donde os pássaros ardiam a voz
donde só o silêncio se desconhecia
era tão larga a morte
que não se podia ver dos meus olhos
chegaste quando o fim sangrava dos meus braços
a casa soterrou-me dos teus passos
terra de mim todo
chegaste pelo coração de água da noite
quando o mistério escorre em grito pelos telhados
e Deus se desabita
chegaste tão de dentro de mim mesmo
que agora que a morte me nasce na garganta
a noite e o meu rosto são alguém
que eu próprio desconheço
Pedro Sena-Lino
Tuesday, January 15, 2008
A nossa vida como nos filmes
imagens a passar muito depressa - folhas -
os pés a subir direitos rumo ao sol
as olheiras escondidas atrás de lentes escuras:
a nossa vida - filmes - uma voz que te chama,
é de noite e ainda não encontraste
o teu lado certo na cama, agora que a cama
é toda tua, e o roupeiro, e a janela, e o chuveiro.
Abres a porta do frigorífico e faltam os iogurtes
dele, uma cerveja, a nossa vida:
filmes - a rever pela noite fora - filmes,
lembras-te de quando eram felizes
e namoravam a olhar o rio ou o mar -
água corrente é qualquer coisa de romântico -
lembras-te de quando eram mistério
e os dez dedos das mãos serviam para descobrir,
lembras-te de quando as palavras
ainda só serviam para amar ou seduzir:
a nossa vida, hoje, como nos filmes,
como uma fita a andar às voltas
em frente de uma luz, perigo de fogo,
as unhas roídas porque é fim-de-semana
e os passeios com ele não se repetem,
porque é fim-de-semana, dolorosamente,
e à hora que ele sai do trabalho continuas sozinha,
a nossa vida, a nossa vida, a nossa vida.
Luís Filipe Cristóvão
imagens a passar muito depressa - folhas -
os pés a subir direitos rumo ao sol
as olheiras escondidas atrás de lentes escuras:
a nossa vida - filmes - uma voz que te chama,
é de noite e ainda não encontraste
o teu lado certo na cama, agora que a cama
é toda tua, e o roupeiro, e a janela, e o chuveiro.
Abres a porta do frigorífico e faltam os iogurtes
dele, uma cerveja, a nossa vida:
filmes - a rever pela noite fora - filmes,
lembras-te de quando eram felizes
e namoravam a olhar o rio ou o mar -
água corrente é qualquer coisa de romântico -
lembras-te de quando eram mistério
e os dez dedos das mãos serviam para descobrir,
lembras-te de quando as palavras
ainda só serviam para amar ou seduzir:
a nossa vida, hoje, como nos filmes,
como uma fita a andar às voltas
em frente de uma luz, perigo de fogo,
as unhas roídas porque é fim-de-semana
e os passeios com ele não se repetem,
porque é fim-de-semana, dolorosamente,
e à hora que ele sai do trabalho continuas sozinha,
a nossa vida, a nossa vida, a nossa vida.
Luís Filipe Cristóvão
Monday, January 14, 2008
Friday, January 11, 2008
Thursday, January 10, 2008
Tuesday, January 8, 2008
Não pegues na colher com a mão esquerda.
Não ponhas os cotovelos na mesa.
Dobra bem o guardanapo.
Isso, para começar.
Extraia a raíz quadrada de três mil trezentos e treze.
Onde fica o Tanganica? Em que ano nasceu Cervantes?
Dou-lhe um zero em comportamento se falar com o seu colega.
Isso, para continuar.
Parece-lhe decente que um engenheiro faça verso?
A cultura é um enfeite e o negócio é o negócio.
Se continuas com essa moça fechamos-te a porta.
Isso, para viver.
Não sejas tão louco. Sê educado. Sê correcto.
Não bebas. Não fumes. Não tussas. Não respires.
Aí, sim, não respirar! Dar o não a todos os nãos.
E descansar: morrer.
Gabriel Celaya
Não ponhas os cotovelos na mesa.
Dobra bem o guardanapo.
Isso, para começar.
Extraia a raíz quadrada de três mil trezentos e treze.
Onde fica o Tanganica? Em que ano nasceu Cervantes?
Dou-lhe um zero em comportamento se falar com o seu colega.
Isso, para continuar.
Parece-lhe decente que um engenheiro faça verso?
A cultura é um enfeite e o negócio é o negócio.
Se continuas com essa moça fechamos-te a porta.
Isso, para viver.
Não sejas tão louco. Sê educado. Sê correcto.
Não bebas. Não fumes. Não tussas. Não respires.
Aí, sim, não respirar! Dar o não a todos os nãos.
E descansar: morrer.
Gabriel Celaya
Monday, January 7, 2008
tradução caseira da lebre
O resto já te disse.
Uns quantos anos de fluência, e depois
o longo silêncio, como o silêncio do vale
antes das montanhas devolverem
a própria voz mudada para voz da natureza.
Este silêncio é agora a minha companhia.
Pergunto. De que é que a minha alma morreu?
E o silêncio responde
Se a tua alma morreu, de quem é a vida
que estás a viver?
E quando é que te transformaste nessa pessoa?
Louise Glück
O resto já te disse.
Uns quantos anos de fluência, e depois
o longo silêncio, como o silêncio do vale
antes das montanhas devolverem
a própria voz mudada para voz da natureza.
Este silêncio é agora a minha companhia.
Pergunto. De que é que a minha alma morreu?
E o silêncio responde
Se a tua alma morreu, de quem é a vida
que estás a viver?
E quando é que te transformaste nessa pessoa?
Louise Glück
Saturday, January 5, 2008
Friday, January 4, 2008
Não pegues na colher com a mão esquerda.
Não ponhas os cotovelos na mesa.
Dobra bem o guardanapo.
Isso, para começar.
Extraia a raíz quadrada de três mil trezentos e treze.
Onde fica o Tanganica? Em que ano nasceu Cervantes?
Dou-lhe um zero em comportamento se falar com o seu colega.
Isso, para continuar.
Parece-lhe decente que um engenheiro faça verso?
A cultura é um enfeite e o negócio é o negócio.
Se continuas com essa moça fechamos-te a porta.
Isso, para viver.
Não sejas tão louco. Sê educado. Sê correcto.
Não bebas. Não fumes. Não tussas. Não respires.
Aí, sim, não respirar! Dar o não a todos os nãos.
E descansar: morrer.
Gabriel Celaya
Não ponhas os cotovelos na mesa.
Dobra bem o guardanapo.
Isso, para começar.
Extraia a raíz quadrada de três mil trezentos e treze.
Onde fica o Tanganica? Em que ano nasceu Cervantes?
Dou-lhe um zero em comportamento se falar com o seu colega.
Isso, para continuar.
Parece-lhe decente que um engenheiro faça verso?
A cultura é um enfeite e o negócio é o negócio.
Se continuas com essa moça fechamos-te a porta.
Isso, para viver.
Não sejas tão louco. Sê educado. Sê correcto.
Não bebas. Não fumes. Não tussas. Não respires.
Aí, sim, não respirar! Dar o não a todos os nãos.
E descansar: morrer.
Gabriel Celaya
Thursday, January 3, 2008
Wednesday, January 2, 2008
procuro o maço de cigarros na carteira, fumar mata, em letras enormes, de um lado, do outro, fumar causa o envelhecimento da pele, se por um acaso não morrer, se me der para ser eterna, tenho direito a uma indemnização já que me asseguraram que fumar mata, desde quando é que todas as coisas desataram a falar, a estrada, conduza com prudência, respeite a margem de segurança, se conduzir não beba, imagino qualquer dia o hall de um prédio, se tiver uma vizinha boazona por favor não a apalpe, ou, apalpar vizinhas depende da autorização prévia do condomínio que reserva o direito de, outro aviso, quando pisar merda de cão na rua não limpe os sapatos no capacho do vizinho, procure antes os capachos de outros prédios, acendo o cigarro, hoje à tarde o banco, subscreva um plano poupança habitação, um plano poupança reforma, qualquer dia o banco, subscreva um plano infalível de assalto à mão armada, pode ainda subscrever os complementos especial perversidade, ou fuga para país tropical, a farmácia onde ontem fui comprar pingos para o nariz, já não se usa morrer de amor, use preservativo, vigie o seu colesterol, meça a sua tensão, beba um litro e meio de água por dia, evite as gorduras, faça exercício, a farmácia e o rol de conselhos, não acho bem que as estradas, os bancos, as farmácias, as roupas, tenham desatado a falar, os disparates dos falantes tradicionais chegavam
Dulce Maria Cardoso
Dulce Maria Cardoso
Tuesday, January 1, 2008
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