Monday, May 31, 2004

Quando anoitece

contorno no meu rosto

o perfil do dia que passou

e tudo o que não sou

me contradiz.



Quando anoitece

atravesso um labirinto

caiado de paixão,

pretexto circular

da minha fé.



Quando anoitece

faço emergir do abismo

um instinto quase secreto

e fujo da noite,

em vertiginosa simetria com o vento,

como se fosse um equívoco

esperar a madrugada

com a mesma lentidão

de um acto íntimo.



Contra um muro branco

esta lonjura gémea do vento.



Uma casa ou um regaço

alternando a desordem

de corpos molhados

numa dicotomia simulada

quando o prazer

é o reflexo nítido

de um coágulo de azul

queimado sobre madrepérolas.



São corais que no fundo da água

não quebram as vagas silvestres.



Nasci agora

enquanto uma andorinha

baloiçava no espelho

atravessado de pólen.



Sou, sílaba por sílaba,

o luto ou a negação

de desumanos deuses.



Quando anoitece ...





Graça Pires



Sunday, May 30, 2004

Bonsoir

Ton vehicule n'a pas l`air d`avoir de passager

Peux-tu: Veux tu me recevoir

Sans trop te deranger?

Mes bottes ne feront pas trop d`echos dans ton couloir

Pas de bruit avec mes adieux

Pas pour nous les moments perdus

En attendant un uncertain au-revoir

Parce que-j'ai la folie, oui c'est la folie

Il etait une fois un etudiant

Qui voulait fort, comme en literature

Sa copine, elle etait si douce

Qu'il pouvait presque, en la management

Rejeter tous les vices

Repousser tou les mals

Detruire toutes beautes

Qui par ailleurs, n'avait jamais ete ses complices

Parces qu'il avait la folie, oui, c'est la folie

Et si parfois l'on fait des confessions

A qui les raconter - meme le bon dieu nous a laisse tomber

Un autre endroit, une autre vie

Eh oui, c'est une autre histoire

Mais a qui tou raconter?

Chez les ombres de la nuit?

Au petit matin, au petit gris

Combien de crimes ont ete commis

Contre les mensonges et soi disant les lois du coeur

Combien sont la a cause de la folie

Parce qu'il ont la folie





Stranglers



Friday, May 28, 2004

The Ambition Bird





So it has come to this

insomnia at 3:15 A.M.,

the clock tolling its engine



like a frog following

a sundial yet having an electric

seizure at the quarter hour.



The business of words keeps me awake.

I am drinking cocoa,

that warm brown mama.



I would like a simple life

yet all night I am laying

poems away in a long box.



It is my immortality box,

my lay-away plan,

my coffin.



All night dark wings

flopping in my heart.

Each an ambition bird.



The bird wants to be dropped

from a high place like Tallahatchie Bridge.



He wants to light a kitchen match

and immolate himself.



He wants to fly into the hand of Michelangelo

anc dome out painted on a ceiling.



He wants to pierce the hornet’s nest

and come out with a long godhead.



He wants to take bread and wine

and bring forth a man happily floating in the Caribbean.



He wants to be pressed out like a key

so he can unlock the Magi.



He wants to take leave among strangers

passing out bits of his heart like hors d’oeuvres.



He wants to die changing his clothes

and bolt for the sun like a diamond.



He wants, I want.

Dear God, wouldn’t it be

good enough to just drink cocoa?



I must get a new bird

and a new immortality box.

There is folly enough inside this one.



Anne Sexton





Thursday, May 27, 2004

só vi o filme desta semana uma vez, mas sei que gostei imenso dele.











Sunday, May 23, 2004

Não consigo parar de ouvir a "Come Back To Camden" do ultimo album do Morrissey. É perfeita





Come Back To Camden



There is something I wanted to tell you,

It's so funny you'll kill yourself laughing

But then I, I look around,

And I remember that I am alone, alone. For evermore





The tile yard all along the railings,

Up a discoloured dark brown staircase

Here you'll find, despair and I,

Calling to you with what's left of my heart, my heart, For evermore



Drinking tea with the taste of the Thames,

Sullenly on a chair on the pavement

Here you'll find, my thoughts and I,

And here is the very last plea from my heart

My heart. For evermore,



Where taxi drivers never stop talking

Under slate grey Victorian sky,

Here you will find, despair and I

And here I am every last inch of me is yours, yours. For evermore



Your leg came to rest against mine,

Then you lounged with knees up and apart

And me and my heart, we knew, We just knew. For evermore



Where taxi drivers never stop talking,

Under slate grey Victorian sky

Here you'll find, my heart and I,

And still we say come back, come back to Camden

And I'll be good, I'll be good, I'll be good, I’ll be good





Morrissey









Friday, May 21, 2004

CREPUSCULAR



A incerteza cai com a tarde

no limite da praia. Um pássaro

apanhou-a, como se fosse

um peixe, e sobrevoa as dunas

levando-a no bico. O

seu desenho é nítido, sem

as sombras da dúvida ou

as manchas indecisas da

angústia. Termina com a

interrogação, os traços do fim,

o recorte branco de ondas

na maré baixa. Subo a estrofe

até apanhar esse pássaro:

com o verso, prendo-o à frase,

para que as suas asas deixem

de bater e o bico se abra. Então,

a incerteza cai-me na página, e

arrasta-se pelo poema, até

me escorrer pelos dedos para

dentro da própria alma.



Nuno Júdice







Thursday, May 20, 2004

e este, e este?











Wednesday, May 19, 2004

Lhasa cá em Coimbra dia 8 de Julho no TAGV







ABRO LA VENTANA



Ahora me levanto

De esta cama

Ahora

Abro la ventana

Y entra la luz

Com el viento

Ahora te siento

Y estas tan lejos

De aquí



Si un dia te vas

Y ya no vuelves más

Si un día me voy

Y ya no vuelvo yo



Que largo es el mundo

Es infinito

Ayer te tuve

En mis brazos

Y hoy

Como un grano de arena

En algún suelo ajeno

Estas escondido de mí



Si un dia te vas

Y ya no vuelves más

Si un día me voy

Y ya no vuelvo yo



Que grán silencio

Todo en suspenso

Que vértigo de no verte

Retumbo

Como una campana

Abro la ventana

Y entras tú

Entras tú…





Lhasa de Sela





um post para o meu esgrimista preferido



Todos os Dias



A guerra já não se declara,

prossegue-se. O inaudito

tornou-se quotidiano. Os heróis

ficam longe dos combates. Os fracos

são transferidos para as zonas de fogo.

A farda do dia é a paciência,

a medalha a pobre estrela

da esperança sobre o coração.



Conferida

quando nada mais acontece,

quando o tiroteio emudece,

quando o inimigo se torna invisível

e a eterna sombra das armas

recobre o céu.



Conferida

por deserção da bandeira,

por coragem face ao amigo,

por denúncia dos segredos infames

e por desobediência

a todas as ordens.





Ingeborg Bachman



Tuesday, May 18, 2004

Suspensos na saudade

(moldada a medo)



deslizam pelo silêncio espelhos

em tons monocromáticos



criam sonhos desconexos

em pontas dos pés



onde a morte das abelhas envelhece as sombras

e peixes vermelhos brilham na violência do vento



delírios electrificados onde a luz canta baixinho

e as imagens dançam em desordem



é difícil acordar no interior da noite

(pintada em tons de sonho)

quando a luz amadurece nos corpos adormecidos



mergulhando num abismo de abelhas e peixes

sonhos cambaleando pela dor da respiração

numa ressaca onde acordo e apago memorias



ouvindo ainda restos da tua voz

perfumando o silencio.



eue





Mero Acaso



1. Pegue no livro que tiver mais perto de si.

2. Abra-o na página 31.

3. Sublinhe a lápis a primeira frase completa que encontrar.

4. Publique-a no seu blog, juntamente com estas instruções.

[Faça-o nos comentários deste postalhito, se não possuir o seu próprio weblog].

No meu caso, o livro encontrado foi "Histórias de cronópios e famas" de Julio Cortázar. E a 1ª frase completa da 31ª página é esta: "O primeiro a ficar admirado foi o velhote Cresta que morava em frente e veio perguntar por que razão estávamos a montar semelhante plataforma."

Encontrei esta ideia aqui

Sunday, May 16, 2004

Is There Any Way Out Of This Dream


I can see clearly nothing as clear
I keep falling apart ev'ry year
Let's take a hammer to it
There's no glamour in it
Is there any way out of this dream

I'm as blue as I can possibly be
Is there someone else out there for me
Summer is dragging it's feet
I feel so incomplete
Is there any way out of this dream

Tom Waits


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Saturday, May 15, 2004

Post dedicado a uma criançolas que mora em mim
(o menino de cabelo preto foi a minha primeira paixão televisiva)

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Friday, May 14, 2004

do capítulo da devolução

Hoje venho dizer-te que morreste e que velo o teu corpo no meu
leito , um corpo estranho e surdo um corpo incompreensível

aquele desespero que deixou de ter forças para erguer os portais do
outro reino tristeza de menino a quem tiraram tudo , até
a tinta e as flores e o prazer de gritar

esse (foi visto) deve subsistir porque é a tua maneira de tomar banho
no cosmos , olhar o cosmos como os que ainda podem
interrogar as ondas e morrer

mas tu ainda não sabes a que ponto morreste; vais até à janela , aspiras
com cuidado o oxigénio que o espaço te oferece , apontas
rindo a meiga criatura que pela rua arrasta a sua condição
de animal fulminado

depois olhas para mim , olhas as tuas mãos , e elas ambas , tão claras ,
tão seguras , são as mãos de um soldado a arder em febre ,
aves a percorrer o seu novo deserto

mas sabes , tu viste , e mais do que eu; a mão do homem é doce e
iluminada como a noite como um rasto de fumo sobre
os hospitais

tivemos uma história mas a história foi-se , em fileiras angélicas e
gratas , a fazer a manhã de outras paragens; outra sombra ,
outros olhos semelhantes

noutro leito nas nuvens deito os teus cabelos , o teu cansaço e a
minha miséria , os teus braços e os meus , altos como
cidades , altos como flores

parou o automóvel , lá em baixo , e eu não tenho mais que descer as
escadas , fechar ainda a porta do teu quarto , atravessar de
um pulo a minha própria vida

agora posso sonhar até deixar de te ver

belo rio sem lágrimas


Mário Cesariny


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Wednesday, May 12, 2004

Para o João:)


O Filho do Ar

A mãe abre a sombrinha e diz: «Meu filho, avança.»
Um cigano veloz e livre como a dança,
agudo como o raio e como ele feroz,
vê, porém, lá ao longe, a criança que foge,
brincando distraída, sem que a sombrinha branca
a abrigue.
«Socorro», grita a mãe. A criança
perdeu-se, todavia, na névoa da distância.
Podes ameaçar, suplicar, nada serve:
o teu filho fugiu nos braços da quimera.
Ela já tem a voz cansada de chamar:
o filho cai no fundo dum tinteiro, a sonhar.
E noutro sonho julga que entrou, ao acordar:
está na casa onde vivem as crianças raptadas,
como a Ursa Maior, de estrelas construída,
sempre pronta a partir, sempre pronta a parar
- uma casa espantosa, sobre rodas erguida.
E a mãe não sossega, e a mãe já está rouca,
a mãe soluça e volta sempre atrás, como louca,
procurando o seu filho e sem o encontrar.
Desesperada, em vão ela chama a polícia:
o raio e os ladrões têm igual malícia;
a polícia, aliás, não tem um grande faro
e os meninos roubados sabem andar no ar.
Logo pela manhã, ousam a temerosa
travessia no arame, de maillot cor-de-rosa.
Para terem sucesso, quanta calma e perícia!
E a mãe está sentada, de luto, muito triste,
sentada, muito triste, encostada à janela.
É como se o menino não fosse filho dela:
eles surgem de súbito, os meninos raptados,
no campo dos ciganos, à volta da fogueira,
ninguém sabe daonde, onde foram roubados.
Têm direito a vinho, se se faz bom dinheiro.
Ele toca o tambor, ele voa. A mãe morre.
É vasto o mundo - e novo, nocturno, perturbante.
Ó mães, desconfiai das janelas, das portas,
dos feitiços daqueles que os filhos vos transportam
para casas que vão por montes e barrancos,
puxadas pela luz de dois cavalos brancos.

Jean Cocteau


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Tuesday, May 11, 2004

Tudo no meu olhar é um grito
marca de um jogo de espelhos polido
pelas lágrimas.

Tenho-te no avesso das pálpebras

e quando o lado sombrio dos olhos
alcança ausências
por instantes, todas as coisas se anunciam
como noite.

As minhas palavras são feitas de ti


eue

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Sunday, May 9, 2004

Eis que volta a minha Pizarnik

um olhar desde o esgoto
pode ser uma visão do mundo

a revolta consiste em olhar uma rosa
até pulverizar os olhos


Alejandra Pizarnik

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Friday, May 7, 2004

Os dias amargos não falam
das palavras que pousam
nos meus lábios.

Prendem-se a olhares secos,
esculpem emoções onde o
corpo se rasga em silêncio

E como músculos promovidos
a respiração, descascam-nas
de sentido, e reclamam dos
olhos , as palavras esquecidas
pela voz.


eue


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A Cidade Invisível


De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu

recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti

que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,

mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.


Maria do Rosário Pedreira

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Thursday, May 6, 2004

hoje é dia do "quem se lembra deste filme?"
(é outro dos meus filmes preferidos)

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Tuesday, May 4, 2004

comprei um livro delicioso do Alexandre O'Neill, Coraçao Acordeão. è lindo lindo

Respondo de perfil
a quem de frente me imagina.

Alexandre O'Neill


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Monday, May 3, 2004

releio muitas vezes estas palavras que o meu companheiro dos chás um dia me escreveu.


Bálsamo

para a Lebre dos Arrozais

As palavras podem ser sangue novo
Sussuradas ao ouvido em amor
Transfusão serena de vida
A um corpo pedindo carinho
À porta da sensação
Um copo de caminho vário
De sentar a alma entretecida de desejo
Junto à existência desejada do outro
União sangrenta de vida e poesia
Um cosmos corpóreo, rosado, vivo
Inundando a visão do horizonte
De palavras, bálsamos em verbo
Uma cascata corrida de sonho
À foz do quotidiano suave
Rico das riquezas do mundo
E das multidões cá dentro
De músicas e sons conhecidos
Como nomes chamando
E vozes, imagens em filmes
As palavras revelam amor
Nas veias possuídas de textos
Ilusões lavadas de fresco
Só restam como futuro bom
À impressão verdadeira das palavras

Quero dizer-te que há um outro caminho
Ao abraço do outro, um Outro.
Um caminho dos corações palpitantes
E dos idealismos inconfessáveis
Onde facas e alguidares
Se choram lamechas de toadas antigas
De frescos amores

Quero dizer-te - é isto que te quero dizer!
Que às palavras do mundo
Podes ver o mundo de outra forma
E uns olhos despertarão sobre as tuas palavras
Como as tuas palavras te despertam viva
E te fazem viva tão bem

Quero dizer-te - escuta, vou terminar baixinho
Que as palavras te guardam as veias e o olhar
Para que sintas e vejas um novo amor
No horizonte sereno do mundo habitado
Morando onde morou sempre
No sabor das palavras que deixas ser teu alimento


Chapeleiro Maluco


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Sunday, May 2, 2004

Valsa Quase Antidepressiva

dança comigo a primeira valsa da primavera:
dança sem sonhos, esquece as promessas, ninguém nos espera.
já enchi os dias de lutas vazias:
estou gasto, cansado e dormente.
E a um pouco de sexo ou muita poesia,
ainda não fico indiferente.

Fala comigo na palavra falsa da fantasia:
chovem amigos na festa da praça do meio dia.
é certo que as flores parecem maiores
que toda a virtude do mundo:
com um pouco de sexo ou muita poesia
ainda me sinto profundo.

se este mundo fosse feito para ser doce
eu seria doce fosse eu quem fosse.
foge comigo na última volta da maratona,
nada comigo num lago de metadona.
já deixei as asas na cave e as chaves no fundo do mar:
com um pouco de sexo ou muita poesia
ainda nos vamos casar.

JP Simões
(Exilio, Quinteto Tati)


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