roubado daqui
Requiem por Ruth Handler
Morreu ontem a mãe da Barbie,
a boneca adolescente. À semelhança de
Atena, Barbie saiu armada dum
cérebro, não divino, mas industrioso,
com a longa cabeleira e a azúlea mirada.
Morreu a mãe da Barbie, a filha
que nunca será órfã, pequeno duende
de soutien 38 e de 33 polegadas
de altura. Trinta e três polegadas
multidesejantes de sonho
anatomicamente impossível.
Morreu a mãe da Barbie, que
faz ballet, ski, patins em linha e
todos os desportos radicais e tem
um namorado elegante, que jamais
a trairá e amigos tão anatomicamente
imperfeitos como ela.
Morreu a mãe da Barbie, que vai
a todas as festas com muitos
vestidos de gala e enegreceu
há uns anos, qual Naomi Campbell, para
ser consumida pela boa
consciência racial do Ocidente.
Morreu a mãe da Barbie, que jamais
a viu, assim anatomicamente imutável,
padecer de uma gravidez adolescente.
A Barbie é sabida e deve ter tido educação
sexual. Que fará ela, com o Ken
no regresso de tantas festas?
Nem paixão, nem desgosto, nem fome
ou uma boa tareia dos adultos, alteram
a sua fábula de plástico, muito menos
fabulosa que a Branca de Neve ou a
Bela Adormecida, onde existiam
humanas bruxas, vencidas maldições
e príncipes que davam beijos ao acordar.
Morreu a mãe da Barbie, cedo demais
para inventar uma Barbie de burka,
ou de explosivos escondidos no cinto. No
fim da vida continuava a vender milhões
de próteses mamárias, na sequência da sua
própria mastectomia. Coisas sem brilho,
impossíveis de acontecer
à Barbie.
Inês Lourenço
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