para o Manuel o meu companheiro perfeito para "sentir" o México
Lembro-me que havia verdadeira magia num ambiente louco de marimbas e frenesim de charuto cubano quando atravessámos lentamente o Zócalo e nos sentámos em Los Portales, num dos bares onde se senta toda a gente em Veracruz, e aí bebemos algo inesquecível enquanto se sucediam, uns após outros, grupos musicais que acabavam por cantar-nos as obras completas (e outras histórias) de dom Agustin Lara. Quando se esgotou tão genial reportório, uma mulher que esperava a sua vez com singular paciência na mais recôndita das arcadas, aproximou-se com uma harpa gigantesca e, retesando as cordas como se fosse pura chuva e chipichipi, cantou a um ritmo endiabrado La Bamba. Bamba, la bamba, la bamba. Assombrados e ainda não refeitos de tanta velocidade, vimos um anão que, agitando uma sineta de bronze, sussurrava María Bonita em inglês. Um outro louco juntou-se à festa. Com um caracol do cabelo enrolado horizontalmente na testa e comatoso vozeirão, o louco gritou-me ao ouvido:
- E morro por voltar.
Nessa altura os meus olhos em los portales já eram um imenso zócalo de curiosidade domingueira e em breve uma festa total. Senti que o momento era único. Senti o que haviam sentido muitos outros antes de mim. Senti que não era original. “no fim de contas”, escreveu Pessoa, “a melhor maneira de viajar é sentir. Quanto mais sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, quanto mais personalidades tenha, quanto mais intensa, estridentemente as tenha…”
Enrique Vila-Matas
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