Não é fácil ser poeta a tempo inteiro.
Eu, por exemplo, nem cinco minutos por dia,
pois levanto-me tarde e primeiro há que lavar
os dentes, suportar os incisivos
à face do espelho, pentear a cabeça e depois,
a poeira que caminha, o massacre dos culpados,
assistir de olhos frios à refrega dos centauros.
Chegar por fim a casa para a prosa
de uma carne à jardineira, o estrondo
das notícias, a louça por quebrar. Concluindo,
só por volta das duas da manhã começo a despir
o fato de macaco, a deixar as imagens correr,
simulacro do desastre.
Mas entretanto já é hora de dormir.
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma.
José Miguel Silva
7 comments:
perfeito, lebre,
'e levamos a noite a dizer oxalá
como se a palavra praticasse anestesia'
(...)
Aceno-te do outro lado da sebe... jardineiros! Muito bom!
que maravilha.
PALAVRA E TUDO.
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a correria dos dias
às vezes demasiado
isto e aquilo.
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muito bom.
e a imagem...
fiquei com frio.
imaginei as costas ao vento
e os botões desencontrados, perdidos
e sem vontade de aquecer as costas.
:)
o poema é fabuloso, ando encantada com a poesia do José Miguel Silva, é muito certeira.
sim angela, tb senti o frio e odesalento quando a encontrei.
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