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Água
Ele acordou.
Ficou imediatamente consciente. E cinco segundos depois achou-
se estremunhado. O seu corpo era o ponto de uma centelha na
intercepção dos mundos. Nem conformados nem em rio. Apenas
plasma vasto.
Ouviu pingar. Plin, plin, plin, plin, plin plin, plin...
O inverno mexia as folhas com as meninas incolores. Lá fora a
meruja fazia cair a virgindade das meninas.
- Quem era eu, ontem?
Voltou a escorregar no sono.
A fermentar um sonho que se redesenhava de noite para noite.
Alguém corria com uma leveza não propriamente física, e, no
entanto, o movimento era extremamente sensual. Atravessou
escadas e muros com saltos fáceis, e muito bem conseguidos, e
só frenou um pouco antes de ela se virar.
Quando ela se voltou, colaram-se num abraço. No abraço dos
corpos veio uma canção das forças.
Mas no apertar do corpo dela, o corpo dele começava a fundir-se
no dela, de tanto a apertar, acabando por entrar nela; no fim
estava dentro dela a apertar-se a si mesmo, pois o corpo dela
já desaparecera como algo consistente e apartado.
- Quem era eu quando te conheci?
Voltou a despertar-se. Plin, plin, plin, plin, plin, plin,
plin...
Voltou-se na cama e ajustou o edredão. O outro dormia
profundamente. Pousou-lhe um beijo.
- Quem és tu que não sou eu?
E o tempo continua a pingar. Plin, plin, plin, plin, plin...
Pedro Outono
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