Monday, December 6, 2004

Estou apaixonada por este texto



Água



Ele acordou.

Ficou imediatamente consciente. E cinco segundos depois achou-

se estremunhado. O seu corpo era o ponto de uma centelha na

intercepção dos mundos. Nem conformados nem em rio. Apenas

plasma vasto.



Ouviu pingar. Plin, plin, plin, plin, plin plin, plin...



O inverno mexia as folhas com as meninas incolores. Lá fora a

meruja fazia cair a virgindade das meninas.



- Quem era eu, ontem?



Voltou a escorregar no sono.

A fermentar um sonho que se redesenhava de noite para noite.

Alguém corria com uma leveza não propriamente física, e, no

entanto, o movimento era extremamente sensual. Atravessou

escadas e muros com saltos fáceis, e muito bem conseguidos, e

só frenou um pouco antes de ela se virar.



Quando ela se voltou, colaram-se num abraço. No abraço dos

corpos veio uma canção das forças.



Mas no apertar do corpo dela, o corpo dele começava a fundir-se

no dela, de tanto a apertar, acabando por entrar nela; no fim

estava dentro dela a apertar-se a si mesmo, pois o corpo dela

já desaparecera como algo consistente e apartado.



- Quem era eu quando te conheci?



Voltou a despertar-se. Plin, plin, plin, plin, plin, plin,

plin...



Voltou-se na cama e ajustou o edredão. O outro dormia

profundamente. Pousou-lhe um beijo.



- Quem és tu que não sou eu?



E o tempo continua a pingar. Plin, plin, plin, plin, plin...



Pedro Outono






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