Regresso
Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.
Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.
À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.
Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.
Reinicio a infância
no esboço do poema
e circunscrevo o litoral
fragmentado do que sou.
Quem foi que descodificou
o céu no meu olhar
e me deixou na alma
um deus imaginado?
Quando o espaço do sonho é circular
como o tempo das cerejas,
ou da migração dos pássaros
que fendem o infinito,
inadiado é o rito da poesia.
Se eu fosse uma gaivota, dançaria
na proa dos veleiros
até à hipnose
de abraçar a maresia.
Graça Pires
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