Monday, June 14, 2004

Em jeito de prenda para a minha barbilinda, Parabéns menina



Aurélia de Sousa na varanda sobre o Douro



É como quem se olhasse

num auto-retrato antigo e fluente

Ela sabe, como eu, da abatida constelação da casa

mas enfrenta-me, acabou de nascer

e abre imensamente os olhos

A névoa abraça-nos até ao osso

respira no ferro e no granito sob todas as mãos

Estranham-me a paixão dos retratos impassíveis

não sabem como visto

numa sombra perfeitamente de mim

a cidade que parti e não conheço

e nem sequer posso esquecer

Gestos soltos noutra varanda, ao fim da mesma tarde

entre escadas e o cais e o ar e o mar

Ela sabe, como eu, tudo desta casa

mas não pára de me encarar

tudo, edificação de sombras lentamente sobre sombras

o frágil furacão que vai ficando

Estranham-me a roupa escura e os olhos claros

o camafeu que disfarça os dois seios

sim. eles estão cá, inteiros, e apenas sou

a mulher que passa pelos pátios

Por mim, distraem-me os mínimos trabalhos

certa jardinagem, grades sobre rendas

Algo sopra dos fundos dos quartos

fecha as janelas, murmura versos que não possas viver

Mas ela pinta intensamente e se assim te debruça

atravessa-te toda a água do rio

o espelho inteiro da tua vida



José Manuel Teixeira da Silva







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